João Ibaixe Jr. - 10/06/2011 - 08h12
Nosso país tem certas peculiaridades interessantes quanto à questão da manifestação popular: temas que envolvem a defesa da cidadania e a relação desta com políticas públicas básicas, como segurança e combate à criminalidade, como a precariedade da situação da saúde e do ensino, como a miséria e como a corrupção de agentes estatais dão lugar a outros que podem ter alguma importância, mas não traduzem a gravidade dos problemas sociais pátrios.
Refiro-me à chamada “Marcha da Maconha”, evento que parece ser organizado em todo país, segundo o site do alegado movimento, o qual por sua vez tem muitos links de acesso, mas poucas informações consistentes.
De acordo com o dito movimento, a marcha é para discutir a legalização ou descriminalização da maconha, mas quando ocorre a proibição judicial, ela se “transforma” em marcha pela liberdade de expressão. Aí, mesmo proibida também, ela pode ocorrer.
Nasce então uma supostamente profunda discussão entre o problema da legalização do uso da maconha e o da liberdade de expressão. Será que o debate deveria ser este? Po que se iniciou tal debate?
Em primeiro lugar: que é liberdade de expressão? É falar publicamente sobre qualquer assunto, defender qualquer ponto de vista, levantar qualquer tipo de bandeira ou ideologia? Outra questão: a Convenção Americana de Direitos Humanos autoriza a liberdade de expressão como direito absoluto?
Há semelhança entre discutir publicamente a pesquisa com células-tronco e o uso da maconha? E entre o uso da maconha e a venda de armas de fogo? É possível defender qualquer bandeira, como, por exemplo, a inexistência do holocausto? Ou a violência na ação que gerou a morte de Bin Laden? E defender o direito dos presos à sua dignidade? Esta defesa seria legítima se feita pelo PCC?
Na própria Convenção podem ser lidos os limites às manifestações da expressão. O primeiro deles é o respeito à democracia e às instituições democráticas.
Segundo ponto: se a Justiça proibiu a marcha, meios também judiciais deveriam ter sido usados para rever a decisão. Mas não. Mudou-se a bandeira ou a ideologia que alimentava o movimento e passou a ser a liberdade de expressão. Aqui se tem um atentado contra a democracia e a própria liberdade de expressão.
A expressão de algo tem a ver com um dado conteúdo informativo a ser discutido publicamente. A ideologia que sustenta um movimento não pode ser trocada a bel prazer dos organizadores para simplesmente se manter tal movimento. Isto é uma afronta ao direito de liberdade de expressão, às instituições democráticas, ao cidadão que acredita em tal bandeira e aos outros que não acreditam nela. É uma afronta à cidadania. É um desrespeito contra a ideologia que alimenta o próprio movimento, pois ele passa a não ter nenhum conteúdo de mensagem, tornando-se pura retórica vazia.
Troca-se a discussão pela legalização da maconha pela da liberdade de expressão como se os temas fossem os mesmos.
Mas afinal, o que é legalização da maconha? Que significaria a descriminalização de tal conduta? Teria que mudar a lei antidrogas? A maconha faz bem ou faz mal? Qual a relação do uso da maconha com outros entorpecentes? O uso da maconha ainda mantém o ideal de rebeldia que possuía nos anos sessenta? Ela pode ser encontrada e consumida em sua forma “pura” extraída da natureza ou é industrializada como o tabaco?
E, por falar nisso: numa época em que se luta contra o uso do álcool e do cigarro, é legítimo lutar pela liberalização do uso da maconha? É interessante para a sociedade lançar o problema da decisão do uso da maconha sobre o indivíduo, quando a própria sociedade combate o álcool e o cigarro também como decisões individuais de uso? Aliás, o problema destes não está aí?
Outro aspecto, agora no que tange ao combate a criminalidade: no que contribuiria para isso a liberação da maconha? A quem interessaria a descriminalização?
São muitas perguntas, mas nenhuma delas é colocada em pauta quando se fala da “Marcha da Maconha”, a qual, aliás, é sustentada por uma ONG com financiamento internacional.
O problema é serio demais para ser discutido. Mas não se pode falar dele de verdade. É mais fácil e mais bonito, além de politicamente correto, defender a liberdade de expressão.
FONTE: Última Instância