Quem sou eu

Minha foto
Jaguariúna, SP, Brazil
Advogado e contabilista em Jaguariúna, SP. Sócio convidado da ACRIMESP - Associação dos Advogados Criminalistas do Estado de São Paulo, desde 11 de agosto de 1997, título de cidadão jaguariunense pelo Decreto Legislativo 121/1997 e membro titular do CONPHAAJ - Conselho de Preservação do Patrimônio Histórico de Jaguariúna, nos biênios 2011 a 2012 e 2017 a 2018,

sábado, 18 de agosto de 2012

O ataque ao acusador como estratégia de defesa




“Lamentavelmente, tem sido prática corriqueira nos processos criminais no Brasil, nas mais variadas instâncias, agredir o acusador – leia-se, o Ministério Público”
Estamos ainda no início do julgamento do mensalão pelo STF e certas frases pronunciadas por advogados que atuam na defesa dos réus têm chamado a atenção de muitos por sua agressividade – dirigida ao Ministério Público e, em especial, à figura do procurador-geral da República. Alguns exemplos: “O procurador-geral está falando bobagem”, disse um advogado (o mesmo que qualificou a acusação do MP como “nazista”). Outro afirmou que o procurador-geral da República “não sabe redigir uma denúncia”. Mais: “Esse memorial é uma vergonha”, “uma peça de ficção”, “ele está querendo corrigir as bobagens das alegações finais”. Outro: “Acho que algum auxiliar do eminente procurador (…) teve preguiça mental de ler esses autos”. Ainda segundo amplamente divulgado na imprensa, certo defensor vociferou que o procurador foi “ardiloso” e que agiu com “desonestidade intelectual”.
Tal agressividade contrasta com a serenidade da sustentação oral feita pelo MPF no caso. Independentemente de qualquer prognóstico sobre o julgamento, o fato é que o procurador-geral foi, além de juridicamente preciso, extremamente respeitoso com os acusados e seus defensores (mesmo que, a rigor, algumas manobras e teses invocadas talvez não merecessem a deferência).
Lamentavelmente, tem sido prática corriqueira nos processos criminais no Brasil, nas mais variadas instâncias, agredir o acusador – leia-se, o Ministério Público ou a própria pessoa que ocupa o cargo de promotor de justiça ou procurador da República. O nosso sistema atual é bastante tolerante e a tendência é que esse tipo de postura seja vista pelos tribunais como um “legítimo exercício do direito à ampla defesa”. Não é.
Dentro de um processo judicial, a urbanidade é um dever imposto às partes e ao juiz. Para os advogados, o dever de urbanidade (para com juízes, membros do MP e qualquer outra pessoa que venha a participar de um processo) está expressamente previsto no artigo 33 do Estatuto da Advocacia e nos artigos 44 e 45 do código de ética da OAB, podendo acarretar uma punição disciplinar pela Ordem dos Advogados. Os códigos de processo penal e de processo civil, ao tratarem dos deveres das partes e seus advogados, estabelecem obrigação semelhante. Em casos mais graves, os achincalhes podem até mesmo caracterizar um crime contra a honra (artigos 138 a 140 do código penal).
Ainda que o processo penal seja o campo mais fértil para esse tipo de prática (e promotores de justiça e procuradores da República sejam os alvos mais óbvios), são também bastante comuns ofensas, em petições escritas ou sustentações orais, a advogados públicos, que representam o poder público nas mais diversas causas (advogados da União, procuradores dos estados e municípios, procuradores autárquicos e outros) e a delegados de polícia. Claro que há também excessos por parte de membros do MP, bem como de integrantes de diversas outras carreiras. Num caso ou noutro, age muito mal quem destrata o profissional que está do lado contrário.
Esse tipo de estratégia tem, geralmente, pouco ou nenhum efeito prático, simplesmente porque não sensibiliza quem vai julgar. O juiz deve decidir com base em critérios técnicos e jurídicos. Virulência ao referir-se a quem acusa (ou ao representante da parte adversa) não é um destes critérios. E não se ignore que, ao agredir gratuitamente a outra parte, o advogado pode deixar claro que “não tem uma tese alternativa” – o que indica, no mínimo, a fragilidade das razões de seu cliente. Um verdadeiro tiro no pé.
Talvez a estratégia valha para um público específico (a claque de sempre) ou para determinado tipo de cliente incauto, que pode se “entusiasmar” com essa forma de atuação de seu advogado. A esses réus desavisados, uma advertência: não costuma funcionar.
Em qualquer debate, a eficiência da argumentação não é medida por sua agressividade. Dentro de um processo, para convencer quem vai julgá-lo, não é preciso ser hostil ao opositor.
Não há justiça sem defesa, e tanto melhor que seja ela qualificada e contundente. Mas, para isso, não é preciso abrir mão da urbanidade nem da elegância. Parodiando o famoso guerrilheiro, “hay que defender, pero sin perder el respeto”.
Fonte:Congresso, via blog Grupo Ciências Criminais

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Lula pode ser processado pelo mensalão?



13/08/12

LUIZ FLÁVIO GOMES (@professorLFG)*
Da tribuna do STF, o advogado de Roberto Jefferson disse que Lula teria participado do mensalão. Aliás, teria sido o mandante de todos os crimes. Por ora, é uma mera suposição (porque o advogado não mostrou provas nesse sentido). Entre afirmarmos uma coisa e provarmos essa coisa há uma distância enorme. Nem tudo que falamos, conseguimos provar. Parafraseando o mundo esportivo, cabe dizer o seguinte: a regra é clara: a Justiça só pode agir em cima de provas. Na época da denúncia o Procurador-Geral de Justiça, que processou 40 pessoas, não encontrou provas nos autos para imputar os delitos ao ex-presidente Lula. No curso da instrução nada surgiu de novidade em sentido contrário.
Teoricamente não há impedimento de se abrir novo processo, para enquadrar algum corréu que tenha sido descoberto ao longo da instrução. Enquanto não prescrito o crime, sempre é possível nova denúncia do Ministério Público. No caso concreto, no entanto, deixando de lado qualquer tipo de “partidarização”, falando tecnicamente, nada há de novo em termos de provas contra Lula. E se existe a mídia não divulgou (o que é improvável). A novidade é a fala do advogado, que contraria até mesmo a versão do seu próprio cliente, Roberto Jefferson, que disse: “Lula só tomou conhecimento dos fatos quando tudo lhe foi relatado”. Ele não sabia do mensalão (essa é a fala do Roberto Jefferson, hoje recordada na UOL).
Há falta de sintonia entre o que disse o acusado e o que está dizendo o seu advogado. Se os Ministros do STF, de qualquer forma, vislumbrarem alguma prova incriminadora nos autos contra o ex-presidente, não estão impedidos de mandarem cópia de tudo ao Procurador-Geral da República, para análise sobre possível denúncia. De outro lado, se entenderem que o advogado extrapolou em sua função e disse algo completamente divorciado na verdade processual, também nada impede que oficiem à OAB para o efeito de eventual sanção administrativa (algo que será analisado pelo Tribunal de Ética).
Aguardemos a decisão dos eminentes Ministros. E saberemos se a participação do Lula (processualmente falando) aconteceu ou não ou se existe alguma prova nesse sentido. A regra é clara (reitere-se): sem provas, no entanto, nada acontece na Justiça.
*LFG – Jurista e cientista criminal. Fundador da Rede de Ensino LFG. Codiretor do Instituto Avante Brasil e do atualidadesdodireito.com.br. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Siga-me nas redes sociais: www.professorlfg.com.br.
PS - A ilustração que encabeça essa postagem não faz parte do artigo publicado originariamente e foi inserida por esse blog.

domingo, 12 de agosto de 2012

O PAPEL DO ADVOGADO NA PROMOÇÃO DA JUSTIÇA E A PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA COMO IMPERATIVO DO ESTADO DE DIREITO




“Para o suspeito, o movimento é melhor do que o repouso, pois aquele que repousa sempre pode, sem o saber, estar no prato de uma balança e ser pesado junto com seus os pecados.” 
(O Processo, Franz Kafka). 



Recentemente, a delegacia seccional de Santo André (Grande São Paulo) abriu inquérito para investigar a conduta de Ana Lúcia Assad, advogada de Lindemberg Alves, durante o julgamento desse último, investigação que foi pedida pela promotora de Justiça Lusara Brandão de Almeida, da Promotoria Criminal de Santo André, tendo sido rejeitado pelo juiz daquela Comarca, Glauco Costa Leite, Habeas Corpus para o trancamento do Inquérito, agora pendente de julgamento novo Habeas Corpus endereçado ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. 

O HC impetrado em segunda instância invoca, com razão e assertividade, que a Constituição, no artigo 133, prevê a inviolabilidade do advogado em atos e manifestações no exercício profissional, o que é reafirmado no artigo 7º, parágrafo 2º, do Estatuto da Advocacia e da OAB (Lei Federal 8.906/94). O Código Penal, no artigo 142, inciso II, ainda, afirma que não constitui injúria ou difamação punível a ofensa feita em juízo, na discussão de uma causa, o que inclui os advogados. 

Quem milita na área criminal sabe que, não raro, magistrados formulam perguntas e adotam posturas de modo a perquirir a condenação e não a busca da verdade, que no âmbito do processo penal, é intitulada verdade real ou ainda verdade material ou substancial, e constitui princípio motor, conforme a redação do artigo 566 do Código de Processo Penal. 

Ao agir de modo a buscar a condenação do réu, sem freios nem medidas, em flagrante inobservância dos ditames de ordem constitucional atinentes à defesa, ausente a sensibilidade que deve permear a atividade judicante, o julgador impõe o medo e o horror ao réu, verdadeiro terrorismo de Estado só visto em tempos de regime de exceção, expurgado pela Carta de 1988. 

O verdadeiro teatro do absurdo! Enquanto advogados forem acusados de desacato à autoridade, injúria ou difamação por se manifestarem em favor de seus clientes não se terá por efetivado o Estado Democrático de Direito, com prejuízo à ampla defesa que é garantia constitucional do réu, sobretudo em processo criminal. Do mesmo modo, enquanto o medo imposto ao réu imperar em detrimento da busca da verdade que deve ser refletida na sentença, estar-se-á aniquilando o sentimento de justiça em cada cidadão deste país. 

É preciso que todos aqueles que participam da atividade jurisdicional tenham em mente sempre os valores que inspiram o ordenamento jurídico e que, indubitavelmente, colocam o ser humano no epicentro do sistema. 

Magistrados e membros do Ministério Público devem sentir que sua missão é maior do que eles mesmos, o que implica no compromisso inalienável da busca da verdade, rumo certo a ser seguido, ao invés de hostilizarem o réu (e por vezes, como maior expressão do arbítrio, a defesa), sobre quem ainda não recaiu a condenação lastreada em provas bastantes. Nesse contexto, a parcialidade demostrada por quem detém o poder de conceder a liberdade ou restringí-la macula o espírito de isonomia e a missão de salvaguarda de direitos que constitui pilar do Poder Judiciário, cuja função, antes de mais nada, é de cunho assecuratório. 

Urge a revisão da cultura jurídica desde os bancos acadêmicos, passando pela implementação de mecanismos que possibilitem aferir a vocação do postulante a um cargo público, tal como o de promotor ou de juiz, cuja atuação reflete nos destinos do jurisdicionado, limitando-se a sua entrada na função ao conhecimento dos códigos, como que se lhes exigisse apenas a reprodução automática de mandamentos legais, em demontração de completo desconhecimento da realidade social e dos imperativos de ordem político-jurídica que ditam em essência a aplicação das leis e a prolação de sentenças – e não de decretos condenatórios prolatados por magistrados trasvestidos de promotores, esses últimos cujo dever impõe trabalhar com a verdade e pugnar pela absolvição quando dela convencidos, o que raramente se vê nos corredores forenses, pois como asseverou Pontes de Miranda1, “Errar é humano, coagir é vulgar, abusar do poder é universal e irremediável.” 

Olvidam da advertência de Rui Barbosa os que, investidos do poder de julgar, se colocam acima do bem e do mal e agem com abuso e autoritarismo, como se verifica na célebre Oração ao Moços: 



"Não sigais os que argumentam com o grave das acusações, para se armarem de suspeita e execração contra os acusados; como se, pelo contrário, quanto mais odiosa a acusação, não houvesse o juiz de se precaver mais contra os acusadores, e menos perder de vista a presunção de inocência, comum a todos os réus enquanto não liquidada a prova e reconhecido o delito. Não acompanheis os que, no pretório, ou no júri, se convertem de julgadores em verdugos, torturando o réu com severidades inoportunas, descabidas, ou indecentes; como se todos os acusados não tivessem direito à proteção dos seus juízes, e a lei processual, em todo o mundo civilizado, não houvesse por sagrado o homem, sobre quem recai acusação ainda inverificada." 

Ignoram, ainda, os ensinamentos do Professor Dalmo de Abreu Dallari2 que, de forma cartesiana, explica as diferenças fundamentais entre as figuras do suspeito, do acusado e do condenado, e os gravames decorrentes disto, posto que: 


“...na prática não se tem levado em conta essa diferenciação, havendo muitos casos em que o simples suspeito recebe o tratamento mais rigoroso que se dispensaria ao condenado, ocorrendo casos em que a mera suspeita desencadeia uma repressão mais drástica do que a que poderia resultar da mais pesada condenação (...) O simples suspeito é alguém que pode ou não ter praticado uma ilegalidade. É extremamente perigoso, além de contrário aos mais elementares princípios jurídicos e humanitários, confundir-se a mera suspeita com o fato comprovado. Muitas vezes existe uma aparência de culpa, reunindo uma série de coincidências, parecendo não haver qualquer dúvida quanto à autoria de um delito. E mais tarde, após minuciosa investigação, verifica-se que se tratava, na verdade, de meras coincidências." 

Esquecem-se outros tantos, na nobre função de prover a justiça, de que o advogado, a quem cumpre o dever de zelar pela presunção de inocência que milita em favor de seu constituinte – garantia fundamental insculpida na Constituição Federal por força do artigo 5º, inciso LVII – é instrumento de distribuição de justiça e não um empecilho a sua efetivação, ator fundamental que é à própria existência do Estado de Direito, do qual decorre a sua função e para o qual deve se dirige toda a sua atividade, com observância plena aos preceitos constitucionais. Nesse sentido, diga-se para logo que andou bem a Comissão de Reforma do Código Penal ao prever no anteprojeto a criminalização da violação das prerrogativas do advogado. 

Afinal, aqueles que agem em descompasso com essas prerrogativas assim o fazem revelando moral conservadora inabalável, irretorquível, como se estivessem acima da lei e não pudessem algum dia ser acusados, denunciados, ocasião em que terão de se valer da defesa de um advogado, aquele mesmo contra quem um dia vociferaram e a quem um dia tentaram colocar a mordaça. Nesse momento se questionarão: quem assegurará a “minha” liberdade e os “meus” direitos? 

1. História e pratica do Hábeas corpus. 3.ed. Rio de janeiro: Jose Konfino editor, 1955, pág. 127
2. O renascer do direito: Direito e vida social, aplicação do Direito e Direito e Política”, 2ª ed., São Paulo, Saraiva, 1980, p. 60-1

Autor: Ricardo Ludwig Mariasaldi Pantin. 


Advogado Criminalista. Professor de Direito Constitucional, Direito Penal e Processual Penal em cursos preparatórios para a carreira jurídica e concursos públicos. Pós-graduado em Direito Constitucional pela Escola Superior de Direito Constitucional. Pós-graduado em Direito Penal e Processual Penal pela PUC/SP, mesma instituição onde é Advogado Orientador do Núcleo de Prática Jurídica da Faculdade de Direito e Professor Assistente de Direito Internacional Público 

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Mitos e Verdades sobre a Psiquiatria: Orientações Gerais para Pacientes em Início de Tratamento

(EU CONTRA EU: NÃO EXISTE ADVERSÁRIO PIOR)



Dr. Leonardo Figueiredo Palmeira


O que é Psiquiatria?

A psiquiatria é a especialidade médica que se dedica a compreender e tratar as doenças emocionais e do comportamento.

Antigamente a psiquiatria tratava somente das pessoas com doenças psíquicas graves, consideradas pela sociedade como "loucas", como a esquizofrenia e a PMD - psicose maníaco-depressiva (hoje conhecida como Transtorno Bipolar). Os recursos para tratamento na época eram escassos, com medicamentos que possuíam muitos efeitos colaterais, deixando o paciente sonolento e incapaz de exercer suas atividades cotidianas. O psiquiatra somente era procurado quando a doença tornava a convivência do paciente com sua família insustentável. O número de internações psiquiátricas era muito superior aos dias de hoje, justamente pela escassez de recursos (p.ex. as poucas alternativas de medicamentos) e pela gravidade a que se deixavam chegar os pacientes que antes se recusavam ou não eram levados a tratamento.

A partir da década de 80 uma revolução na medicina transformou a psiquiatria. Houve um grande avanço da especialidade enquanto ciência médica, com pesquisas na área das neurociências permitindo um melhor entendimento do cérebro e das doenças, a ponto da última década do século XX ter sido escolhida pela Organização Mundial de Saúde como a Década do Cérebro, com vários pesquisadores consagrados, inclusive com o Prêmio Nobel.

A psiquiatria aperfeiçoou seu sistema diagnóstico, reconhecendo distúrbios emocionais amplamente presentes na sociedade, mas que antes não eram diagnosticados e nem tratados. Exemplo disso são os Transtornos do Pânico, a Depressão, o Transtorno Obsessivo-compulsivo, a Ansiedade Generalizada, o Transtorno de Estresse Pós-traumático e as formas mais leves do Transtorno Bipolar, que se tornaram mais conhecidos a partir dos anos 80.

Também na década de 80 um boom da indústria farmacêutica permitiu o desenvolvimento de medicações mais eficazes e com melhor perfil de tolerabilidade para o tratamento das doenças psíquicas. O Prozac foi o maior exemplo disso. Ele foi desenvolvido por um laboratório norte-americano com o objetivo de ser um antidepressivo com boa tolerância e aceitação por parte dos pacientes que não conseguiam se adaptar aos antidepressivos mais antigos. Pacientes deprimidos que não eram tratados passaram a contar com um tratamento efetivo e seguro, retomando sua qualidade de vida. O Prozac inspirou livros e mudou a maneira da sociedade encarar o sofrimento emocional, passando a enxergar a cura em males antes considerados "puramente psicológicos e, portanto, sem a necessidade de tratamento médico".

A psiquiatria conquistou mais espaço na sociedade enquanto especialidade médica que busca melhorar a qualidade de vida das pessoas com sofrimento emocional e compreender melhor o comportamento e as atitudes daqueles que vivem na sociedade. Bem diferente daquela especialidade do início do século XX, a psiquiatria do século XXI oferece melhor qualidade de vida a seus pacientes e familiares, tratando efetivamente e com poucos efeitos colaterais sintomas do grau mais leve ao mais intenso, como ansiedade, irritabilidade, angústia, tristeza, obsessões, compulsões, delírios, alucinações e as mais diversas manifestações da mente humana que interfira com o bem estar do indivíduo.

O psiquiatra procura tratar dos sintomas e ajudar seus pacientes a recuperar a auto-estima, a autonomia e a capacidade de planejar e executar seus objetivos, a resgatar as relações pessoais e familiares e, desta forma, contribuir para a melhoria na sua qualidade de vida. Ainda que não seja capaz de curar sempre, o objetivo primordial do tratamento psiquiátrico é o de tranqüilizar e zelar pela estabilidade emocional, evitando o desgaste pessoal e familiar.


Por que procurar um psiquiatra?

Se alguém tem um problema cardíaco, procura um cardiologista, se tem um problema de estômago, um gastroenterologista, e assim por diante. Essa lógica também serve para a psiquiatria. O psiquiatra é o único médico que foi treinado e que tem a prática de tratar dos problemas e conflitos emocionais das pessoas. Faz parte de sua rotina observar comportamentos, sentimentos, pensamentos, atitudes e avaliá-los com base na sua experiência clínica, tomando a decisão correta sobre que medicação usar e qual tratamento seguir.

A psiquiatria é uma das mais complexas especialidades médicas, pois lida o tempo todo com o subjetivo das pessoas, na fronteira entre o normal e o patológico, sem métodos complementares de aferição que possam revelar o diagnóstico exato. O psiquiatra precisa conhecer todas as variáveis que possam influenciar o psiquismo da pessoa, como os fatores físicos e relacionados à saúde do organismo, os fatores psicológicos relativos a relacionamentos e estilos de vida e os fatores sociais que podem trazer sobrecarga ou traumas.

O psiquiatra deve acompanhar e compreender a evolução da sociedade para perceber novos fatores sociais capazes de gerar reações até então desconhecidas na população. Nos EUA, p.ex., após os atentados de 11 de Setembro de 2001, várias pessoas desenvolveram síndromes pós-traumáticas por assistirem a queda das Torres Gêmeas. Continuamente somos apresentados a novos hábitos e estilos de vida impulsionados pelo desenvolvimento da sociedade e pelo avanço de novas tecnologias, que interagem com nosso psiquismo e que podem desencadear novos distúrbios. Exemplos disso são a dependência da internet, a dependência de novas drogas (como o ecstasy) e as síndromes pós-traumáticas desencadeadas pela violência urbana, entre outras.

A psiquiatria necessita do contato constante com as demais especialidades médicas para reconhecer distúrbios psíquicos causados por doenças físicas, como as doenças metabólicas (Diabetes, Hipo- ou Hipertireoidismo), neurológicas (Epilepsia, AVE, Demências) e infecciosas (AIDS, encefalites).
O psiquiatra precisa, portanto, ter uma formação holística, baseada no modelo biopsicosocial do adoecimento, entendendo o homem sob seus pilares biológico, psicológico e social.


Qual a diferença entre a Psiquiatria e a Neurologia?

Muitos confundem a área de atuação da neurologia com a da psiquiatria e, não raro, pacientes preferem procurar um neurologista a um psiquiatra na ilusão de que seu problema é mais simples e, portanto, dispensa o psiquiatra, “que cuida de casos mais graves".

O neurologista trata de doenças neurológicas que acometem o cérebro, a medula espinhal e os nervos periféricos, causando prejuízos para a coordenação motora, força muscular, movimentos e sensibilidade do corpo ou cursando com perda da consciência, crises convulsivas, cefaléias, entre outros sintomas. Trata ainda das infecções do SNC (meningites, encefalites), dos tumores, das doenças isquêmicas e hemorrágicas (como AVE).

A psiquiatria sempre se encarregou do tratamento das desordens emocionais e do comportamento, que também ocorrem no cérebro, numa área especializada em emoção denominada Sistema Límbico. Atualmente o conceito de Sistema Límbico está obsoleto, pois outras áreas fora desse sistema também estão envolvidas no processamento das emoções e do comportamento, como os lobos frontais, parietais e temporais.

O avanço no campo das neurociências permitiu um melhor entendimento do funcionamento de nossa mente e estreitou sua relação com o restante do cérebro, aproximando a psiquiatria da neurologia. Nesse processo, quem mais avançou sua fronteira foi a psiquiatria, passando a ter uma abordagem mais biológica.

A neuropsiquiatria é o ramo da psiquiatria que procura incorporar conhecimentos da neurologia e tratar doenças neurológicas com manifestações psiquiátricas, como alterações do comportamento, do humor, da percepção e do pensamento. É o caso dos acidentes vasculares encefálicos (AVE) que cursam com depressão, impulsividade/agressividade, alucinações e delírios. Outras doenças neurológicas que costumam apresentar complicações psiquiátricas são as Demências (inclusive a Doença de Alzheimer e as demências vasculares), a Esclerose Múltipla, a Epilepsia e os Tumores cerebrais.

Os métodos de imagem cerebral, como a Tomografia Computadorizada e a Ressonância Magnética, também contribuíram para o avanço dessa compreensão neurológica dos distúrbios emocionais e do comportamento. Quadros que antigamente eram considerados puramente psicológicos, como a depressão da terceira idade p.ex., hoje são melhor investigados. Sabe-se, no caso da depressão do idoso, que ela pode ser indicativa de um processo degenerativo inicial ou secundária à doença vascular cerebral.

A psiquiatria passou, então, a incorporar exames da neurologia, como a Tomografia Computadorizada, a Ressonância Magnética, a Cintilografia de Perfusão Cerebral e a Tomografia por Emissão de Pósitrons para o estudo das doenças da mente.


O tratamento psicológico (psicoterapia) substitui a avaliação e/ou o tratamento psiquiátrico?

A pessoa que esteja passando por dificuldades emocionais ou que apresente alterações de comportamento deve procurar um psiquiatra, ao menos para uma avaliação. O psicólogo não é médico e não possui treinamento e formação para diagnosticar doenças. Ele também não pode solicitar exames que não sejam psicológicos e tampouco prescrever medicamentos.

O psiquiatra é o profissional capacitado para avaliar sintomas psíquicos sob as vertentes biológica e psicológica, fazer diagnósticos e traçar a conduta terapêutica mais apropriada. Em muitos casos a psicoterapia é aconselhável e faz parte do tratamento, complementando os efeitos da medicação. Em quadros mais leves ou quando não existe um transtorno psiquiátrico, a psicoterapia pode ser o principal tratamento indicado.

O psiquiatra deve colher a história completa da pessoa, procurando entender os motivos e circunstâncias do adoecimento, solicitar os exames necessários para descartar causas orgânicas ou para complementar a hipótese diagnóstica inicial e, somente então, propor o plano terapêutico, incluindo a prescrição de medicações e a psicoterapia. O psiquiatra pode indicar o método psicoterápico mais aconselhável para o caso, já que existem inúmeras técnicas de psicoterapia com eficácia distinta para cada diagnóstico.

Portanto, a decisão de procurar uma psicoterapia para tratamento não deve ser tomada exclusivamente pelo paciente sem uma avaliação médica prévia.


Quais os principais distúrbios tratados pela Psiquiatria?

A psiquiatria trata de todas as doenças que cursam com manifestações do comportamento e das emoções, sejam elas estritamente psiquiátricas ou não. No caso das doenças orgânicas que acometem o psiquismo, o psiquiatra pode auxiliar demais especialistas, como clínicos gerais, cardiologistas e endocrinologistas, a tratarem das intercorrências psiquiátricas causadas pela doença de base.

1) Doenças orgânicas
Entre as principais doenças orgânicas que podem apresentar manifestações psiquiátricas estão:

- Hiper- e hipotireoidismo
- Diabetes Mellitus
- Adenomas Hipofisários
- Doença das Adrenais
- Lúpus Eritematoso Sistêmico
- Fibromialgia
- Hipertensão Arterial Sistêmica e suas complicações
- Insuficiência Renal Crônica
- Insuficiência Hepática (Encefalopatia hepática)
- Acidentes Vasculares Encefálicos (AVE)
- Epilepsias
- Esclerose Múltipla
- Doença de Parkinson
- HIV
- Meningites, Encefalites e outras infecções do SNC
- Tumores do SNC
- Demências (Alzheimer, demências vasculares, microangiopatia aterosclerótica difusa, demência de Pick, demência de Corpos de Lewy, demências por carências vitamínicas, por hipotireoidismo, entre outras).
- Traumatismo Cranioencefálico (TCE) e Concussão Cerebral
- Câncer e Síndromes Paraneoplásicas
- Infecções sistêmicas
- Distúrbios metabólicos e do equilíbrio ácido-base

2) Transtornos relacionados ao uso de substâncias
- Álcool
- Maconha
- Cocaína e similares (Crack)
- Heroína
- LSD, Ecstasy e outras drogas sintéticas.
- Anfetaminas
- Tranqüilizantes
- Cafeína

3) Psicoses
- Esquizofrenia
- Transtorno Esquizoafetivo
- Transtorno delirante (paranóia)
- Transtornos psicóticos transitórios

4) Transtornos de Humor
- Depressão unipolar
- Depressão bipolar
- Mania/hipomania
- Episódios Mistos do Humor (Disforia)
- Ciclotimia
- Distimia

5) Transtornos de Ansiedade
- Ansiedade Generalizada
- Transtorno do Pânico
- Fobias específicas
- Fobia Social
-Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC)
- Reações agudas ao estresse e Transtorno de Estresse Pós-traumático
-Transtornos dissociativos e somatoformes (conversão, somatizacão, distúrbio neurovegetativo, hipocondria, entre outros).

6) Transtornos Alimentares
- Anorexia nervosa
- Bulimia nervosa
- Transtorno de Compulsão Alimentar periódica
- Obesidade mórbida

7) Transtornos do Sono

- Insônia/hipersonia
- Alteração do ciclo sono-vigília
- Sonambulismo
- Terror noturno
- Pesadelos

8) Disfunção Sexual
- Redução ou perda do desejo sexual
- Anorgasmia
- Ejaculação precoce
- Disfunção erétil
- Apetite sexual excessivo

9) Transtornos associados ao puerpério

- Depressão pós-parto
- Psicose pós-parto

10) Transtornos de Personalidade
11) Transtornos dos Hábitos e dos Impulsos

- Cleptomania (roubo patológico)
- Tricotilomania (impulsos de arrancar os cabelos)
- Jogo patológico
- Piromania (impulsos de por fogo em objetos e bens)

12) Oligofrenia ou retardo mental com alterações de comportamento

13) Transtornos da Infância
- Autismo
- Síndrome de Asperger
- Ansiedade de Separação
- Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade
- Transtornos da Fala e da Linguagem
- Transtorno de Aprendizagem
- Transtorno de Conduta e Desafiador-Opositivo
- Transtornos de Tiques
- Enurese e Encoprese
- Outros


Quais os principais medicamentos utilizados no tratamento?

Os medicamentos psiquiátricos, chamados de psicofármacos, são agrupados em classes de acordo com suas propriedades terapêuticas:

1) Ansiolíticos e Hipnóticos – conhecidos popularmente como tranqüilizantes, agem nos sintomas de ansiedade (inclusive na síndrome do pânico) e na insônia. São exemplos os ansiolíticos benzodiazepínicos (porque agem em receptores benzodiazepínicos do cérebro), como diazepam (Valium), clonazepam (Rivotril), alprazolam (Frontal), lorazepam (Lorax), bromazepam (Lexotan), cloxazolam (Olcadil), midazolam (Dormonid), entre outros, e os hipnóticos não-benzodiazepínicos, como zolpidem (Stilnox) e zolpiclona (Imovane).

2) Antidepressivos - como sugere o nome, são medicamentos com ação na depressão. Contudo, os antidepressivos podem ser usados em vários outros transtornos, inclusive na Ansiedade Generalizada, no Transtorno do Pânico, no TOC (Transtorno Obsessivo-compulsivo), na Fobia Social, no Transtorno de Estresse Pós-traumático, nos Transtornos Alimentares (anorexia, bulimia e compulsão alimentar periódica), entre outros diagnósticos. Por isso é uma classe extremamente útil para a psiquiatria. Ela pode ser sub-dividida em:

Antidepressivos Tricíclicos - os mais antigos, ainda utilizados e com boa eficácia, apesar dos efeitos colaterais mais desagradáveis: amitriptilina (Tryptanol), imipramina (Tofranil), nortriptilina (Pamelor), maprotilina (Survector), entre outros.

IMAO (inibidores da monoamino-oxidase) - inibem uma enzima chamada MAO, que metaboliza a serotonina e noradrenalina. São indicados em depressões graves e refratárias e exigem cuidados especiais, como restrições dietéticas pelo risco de efeitos adversos graves (crise hipertensiva): tranilcipromina (Parnate).

ISRS (inibidores seletivos da recaptação de serotonina) - agem aumentando os níveis de serotonina e são os mais utilizados por serem eficientes e bem tolerados: fluoxetina (Prozac), paroxetina (Aropax), sertralina (Zoloft), citalopram (Cipramil), fluvoxamina (Luvox) e escitalopram (Lexapro); outros antidepressivos com ação principal sobre receptores de serotonina: trazodona (Donaren), nefazodona (Serzone).

Antidepressivos Duais (com duplo mecanismo de ação) - os mais modernos, considerados de última geração, têm a vantagem do duplo mecanismo de atuação (sobre serotonina e noradrenalina) e, por isso, são mais eficazes nos casos mais graves ou que não responderam aos ISRS: venlafaxina (Efexor), mirtazapina (Remeron), duloxetina (Cymbalta).


3) Estabilizadores de Humor - são medicamentos com propriedades estabilizadoras do humor, agindo nos casos em que as flutuações de humor, para euforia, irritabilidade ou depressão, são marcantes. Destacamos duas sub-classes:

Anticonvulsivantes - alguns medicamentos utilizados para epilepsia (convulsões) têm comprovadamente ação estabilizadora do humor: carbamazepina (Tegretol), divalproato de sódio (Depkote), lamotrigina (Lamictal), oxacarbazepina (Trileptal).

Carbonato de Lítio (Carbolitium) - é considerado o padrão-ouro para o tratamento da mania/hipomania no Transtorno Bipolar, sendo útil como estabilizador do humor e no tratamento adjuvante da depressão, potencializando o efeito do antidepressivo.

4) Antipsicóticos - essa classe mereceria outro nome (p.ex.moduladores da dopamina), pois age sobre receptores de dopamina, outro neurotransmissor importante. Antigamente eles eram usados exclusivamente no tratamento das psicoses, mas hoje são cada vez mais empregados para o tratamento de outros transtornos, como depressão, Transtorno Bipolar, TOC, etc. Com o desenvolvimento dos antipsicóticos de segunda geração, com atuação sobre dopamina e serotonina e melhor tolerados sob o ponto de vista de seus efeitos colaterais, essa classe tem sido cada vez mais utilizada com propriedades antidepressivas, antimaníacas e estabilizadoras de humor. Divido a seguir os principais de acordo com suas propriedades terapêuticas:

Antipsicose (no tratamento de delírios, alucinações e desorganização do comportamento e do pensamento):

Primeira geração: haloperidol (Haldol), pimozida (Orap), flufenazina (Flufenan), trifluoperazina (Stelazine), penfluridol (Semap), zuclopentixol (Clopixol), sulpirida (Dogmatil), clorpromazina (Amplictil), levomepromazina (Neozine, Levozine), tioridazina (Melleril).

Segunda geração: risperidona (Risperdal), amisulprida (Socian), olanzapina (Zyprexa), ziprasidona (Geodon), quetiapina (Seroquel), clozapina (Leponex), aripiprazol (Abilify).

Antimania (no tratamento dos quadros eufóricos ou disfóricos - com irritabilidade e agressividade) - todos os de segunda geração, exceto amisulprida (Socian).

Antidepressão (principalmente nas depressões graves, crônicas ou na depressão bipolar, com ou sem associação de um antidepressivo) - sulpirida (Dogmatil), amisulprida (Socian), ziprasidona (Geodon), quetiapina (Seroquel), clozapina (Leponex), olanzapina (Zyprexa), aripiprazol (Abilify).

Estabilizadores de Humor (prevenção de recaídas maníacas, disfóricas ou depressivas e para maior estabilidade do humor a longo prazo) - olanzapina (Zyprexa), quetiapina (Seroquel), clozapina (Leponex), ziprasidona (Geodon), aripiprazol (Abilify).

5) Outros medicamentos para transtornos específicos:
- Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade - metilfenidato (Ritalina, Ritalina LA e Concerta).
- Compulsão Alimentar - topiramato (Topamax) e antidepressivos ISRS.
- Obesidade - topiramato (Topamax), sibutramina (Reductil ou Plenty).
- Alcoolismo - naltrexona (Revia).
- Jogo Patológico e outras compulsões - topiramato (Topamax) e antidepressivos ISRS.
- Tabagismo - bupropiona (Zyban).
- Demências (Demência de Alzheimer, demência vascular e outras) - donepezila (Eranz), rivastigmina (Exelon), galantamina (Reminyl ER), memantina (Ebix), piracetam (Nootron, Nootropil).


É comum a necessidade de mais de um medicamento ou isso significa que meu caso é grave?
Em psiquiatria freqüentemente são necessários mais de um medicamento para o tratamento. Isso ocorre porque as medicações têm alvos terapêuticos diferentes. Por exemplo, pode ser necessária a associação de um antidepressivo e um ansiolítico para tratar uma depressão com ansiedade, ou então, um estabilizador de humor e um antipsicótico para tratar um quadro eufórico com impulsividade e agitação.


 Nem sempre um medicamento atende a todas as particularidades do caso, p.ex um antidepressivo que não é sedativo pode não ser suficiente num primeiro momento para tratar um quadro depressivo com insônia, fazendo-se necessário um hipnótico.

Como a maior parte dos medicamentos psiquiátricos demora a alcançar os efeitos terapêuticos esperados (em torno de 4 semanas), associações medicamentosas são bem vindas para aliviar rapidamente os sintomas mais desagradáveis. Outrossim, alguns transtornos necessitam de associações medicamentosas para seu tratamento, como é a maioria dos casos de Transtorno Bipolar, Transtornos de Ansiedade e Psicoses. Existem ainda maneiras de potencializar o efeito de um medicamento através da associação com outro para uma melhor resposta terapêutica.

A associação de medicações na psiquiatria é, portanto, uma prática comum e não significa necessariamente maior gravidade de doença.


O que fazer nos casos de efeitos colaterais ou de intolerância medicamentosa?
Mantenha seu médico sempre informado dos sintomas e reações que você sinta após o início da medicação. Relate tudo, mesmo aquilo que você julga não ser proveniente do medicamento. O psicofármaco age no SNC e pode provocar efeitos colaterais físicos (p.ex. náuseas, vômitos, sonolência, insônia, urticária, tremores, tonteiras, cefaléia, entre outros) e psíquicos (p.ex. ansiedade, inquietação, desânimo, pessimismo, irritabilidade, tristeza, entre outros). Somente o psiquiatra terá condições para julgar se os sintomas são ou não decorrentes do tratamento, já que muitos efeitos colaterais podem se confundir com os sintomas da doença que está sendo tratada.

Não se assuste com os sintomas descritos nas bulas, procure conversar com seu psiquiatra sobre a sua experiência com aquele medicamento para ver se os efeitos relatados na bula são ou não comuns na prática. A bula contém todas as informações sobre o produto, inclusive aquelas raras e que ocorreram na freqüência menor do que 1%.

Não interrompa o medicamento sem antes falar com seu médico. Geralmente os efeitos colaterais são leves e transitórios, ocorrendo no início do tratamento e desaparecendo após 1 semana de uso, pois é o tempo que o organismo leva para se acostumar com a ação do medicamento. Converse com seu médico sobre medicações paliativas que possam ser utilizadas no caso de efeitos adversos, como analgésicos, antieméticos e protetores da mucosa gástrica. Na maioria dos casos esses medicamentos podem ser usados, mas não é recomendável que o paciente faça uso de qualquer medicação sem obter antes a orientação de seu psiquiatra.


Os medicamentos psiquiátricos causam dependência?

Esse é outro preconceito que muitas vezes afasta o paciente do tratamento. O leigo confunde as medicações que agem no SNC com os tranqüilizantes de “tarja preta”. Estes são apenas uma classe de medicamentos que agem no cérebro. Todavia, a maioria das medicações utilizadas pela psiquiatria é de “tarja vermelha”, como os antidepressivos, antipsicóticos e estabilizadores de humor. Esses medicamentos não possuem nenhum risco de dependência física. Eles são vendidos com uma receita branca controlada que fica retida na farmácia, apenas porque são medicamentos que atuam no SNC e o governo entende que sua venda precisa ser controlada.

Já os tranqüilizantes, vendidos com a receita azul, podem levar à dependência se utilizados de forma abusiva ou sem um controle médico. O psiquiatra é o médico que mais está acostumado a lidar com pacientes dependentes de tranqüilizantes, mesmo porque é o especialista indicado nos casos em que a pessoa desenvolve esse tipo de dependência e precisa ser tratada. Por esse motivo, o psiquiatra é o especialista que mais toma cuidado na prescrição desses fármacos.

Atualmente contamos com uma diversidade grande de medicamentos, modernos e eficazes e sem risco de dependência, que substituem os tranqüilizantes na maioria dos casos. Se o tranqüilizante for imprescindível, ele poderá ser usado por um período curto e com um risco baixo de dependência, pois ela ocorre somente após 6 meses de uso contínuo. O uso esporádico (SOS) ou em dias alternados também reduz o risco do paciente se tornar dependente dele.


Por quanto tempo é necessário fazer o tratamento?

O tratamento psiquiátrico tem eficácia de médio a longo prazo, pois as medicações demoram geralmente de 4 a 8 semanas para alcançarem seus efeitos terapêuticos plenos. Isto porque a ação medicamentosa depende de alterações nas membranas dos neurônios e nos receptores das substâncias estimuladas, o que demora mais a acontecer. Portanto, o uso regular e contínuo da medicação prescrita é de fundamental importância para o início e manutenção da resposta terapêutica.

O tratamento de manutenção depende de cada caso e do diagnóstico, mas via de regra o tratamento psiquiátrico precisa ser mantido por 1 a 3 anos para prevenir recidivas e sedimentar os ganhos que o paciente obteve com o tratamento. Nos casos crônicos e mais graves o tratamento é mantido por período indeterminado, até que o médico avalie ser possível uma redução ou a suspensão da medicação, sem prejuízos para a saúde do paciente.


Quais os riscos de uma interrupção precoce do tratamento?

O tratamento não deve ser interrompido sem um plano de descontinuação gradual da medicação pelo psiquiatra. Em primeiro lugar, porque alguns medicamentos provocam sintomas de retirada quando são interrompidos bruscamente. Os sintomas em geral são físicos, como tonteira, visão turva, náuseas, tremores, mal estar geral, insônia, mas também podem ser psíquicos, como ansiedade, inquietacao e irritabilidade. Em segundo lugar, a interrupção precoce pode fazer retornar os sintomas que a medicação pretendia tratar, muitas vezes de maneira mais intensa do que aquela anterior ao início do tratamento.

O recomendável é que o paciente estabeleça com seu psiquiatra uma relação de confiança e, se for do seu desejo interromper o tratamento, que converse antes com ele para se informar melhor sobre as reações de descontinuação, solicitando-lhe um plano de retirada gradual dos medicamentos.


Orientações Complementares
1) Estabeleça uma boa relação com seu psiquiatra e sinta-se à vontade para fazer comentários e esclarecer suas dúvidas.

2) Jamais se automedique ou interrompa o tratamento sem a orientação do seu médico.

3) Utilize a medicação conforme prescrita, procurando manter uma regularidade em relação aos horários de tomada. A medicação psiquiátrica não tem rigidez de horário, mas variações grandes podem prejudicar o tratamento e levar ao esquecimento de uma ou outra tomada.

4) Consulte seu médico sobre se é possível tomar as medicações uma vez ao dia e no mesmo horário, caso julgue ser mais conveniente e confortável.

5) As bulas dos psicofármacos são mais difíceis de compreender do que as das medicações de uso comum. Isto porque as indicações contidas nas bulas nem sempre são aquelas para as quais a medicação foi prescrita. Em psiquiatria as medicações não são sempre específicas para as doenças e podem ser utilizadas em transtornos diferentes, dependendo da particularidade de cada caso. Por isso, consulte seu médico se surgir alguma dúvida a respeito da indicação de sua medicação.

6) No caso de efeitos adversos, consulte seu psiquiatra sobre que medicações poderá usar para aliviar os efeitos colaterais até que seu organismo se adapte ao medicamento. Não o descontinue sem antes falar com seu médico.

7) Se for a outro médico e precisar usar um outro medicamento (antibióticos, antiinflamatórios, etc), consulte seu psiquiatra para saber se não existem interações medicamentosas entre as substâncias prescritas.

8) Mantenha hábitos de vida saudáveis, evitando o uso de bebidas alcoólicas, alimentando-se em horários regulares e praticando atividades físicas, pois isso ajudará no seu tratamento. Procure manter também um horário regular para o sono.

9) Evite uso de substâncias estimulantes, como café, chá-mate, coca-cola, guaraná em pó ou natural e outras drogas psicoestimulantes.

10) Se for fumante, procure reduzir a carga tabágica, pois a nicotina pode interferir no metabolismo das medicações prescritas.

11) Não se force a nada que você não se sinta preparado para enfrentar e tenha paciência para aguardar os efeitos do tratamento, pois o ânimo, a segurança e a disposição virão com naturalidade.

12) Evite situações estressantes e a sobrecarga do dia-a-dia, principalmente se notar que sua capacidade de tolerância não está boa.

13) Evite tomar decisões importantes da sua vida se notar que suas capacidades de julgamento e de tomada de decisão estão comprometidas. Aguarde a evolução do tratamento e discuta com seu médico sobre o melhor momento de tomá-las.

14) Converse em casa com seus familiares sobre o que está lhe acontecendo e peça apoio e compreensão. Um bom ambiente familiar é fundamental para uma boa evolução do tratamento.

15) Zele pela sua intimidade e privacidade. Nem todos precisam saber o que está lhe acontecendo. Escolha criteriosamente aqueles que merecem sua confiança e evite comentários sobre sua vida particular com pessoas estranhas ou com as quais não se sinta à vontade. Mesmo nos dias de hoje ainda existe preconceito por parte de uma minoria ignorante e insensível em relação aos que padecem de algum distúrbio psíquico.


Dr. Leonardo Figueiredo Palmeira, Médico formado pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Pós-graduação em Psiquiatria pelo Instituto Philippe Pinel. Membro Titular da Associação Brasileira de Psiquiatria e Membro da Sociedade Internacional de Pesquisa em Esquizofrenia (The Schizophrenia International Research Society). Autor do livro "Entendendo a Esquizofrenia - Como a família pode ajudar no tratamento?". Editor do Portal Entendendo a Esquizofrenia.


http://drpalmeira.blogspot.com.br

segunda-feira, 30 de julho de 2012

Erros do Ministério Público






Ricardo Giuliani Neto - 30/07/2012 - 12h12


Todos podemos errar. Humano que é, o erro prepondera no aprendizado, quando o que erra está disposto a aprender. De outro modo, quem nunca errou?

O erro cometido pelos comuns mortais não faz história, é lugar comum, é  vida e, como vida vivida, na poeira da criação, vamos seguindo com as nossas  vicissitudes, para o bem e para o mal. O contrário acontece quando o erro vem cometido por altos funcionários públicos e, o pior, quando tais procederes transformam-se em prática corrente e, porque não dizer, irresponsável; tome-se a expressão “responsabilidade” como a capacidade de responder pelas consequências dos atos praticados.

Sim, os erros cometidos nas altas esferas jurídicas detonam vidas inteiras, destinos inteiros e, portanto, são registrados na história dos povos e das instituições.

O duplo grau de jurisdição, mais que justiça, previne o erro no ato de julgar. O juiz é de “direito”; os tribunais, de “Justiça”. Justiça é mais que direito e no mundo do direito há injustiças; no da Justiça, por vezes, até direito há.

Os senhores juízes podem errar com a tranquilidade de que seus atos serão revisados por um colegiado e, mesmo assim, há colegiados que erram e outros maiores, erram o erro supremo, o erro da sociedade humana. Mas neste itinerário há uma construção humana destinada a contingenciar o erro e, então, dar “segurança” àqueles submetidos aos julgamentos (humanos) do Poder Judiciário.

A afirmação de Rui Barbosa no sentido de que o STF (Supremo Tribunal Federal) é o titular do último erro, é sábia. Carnelutti, nas suas Misérias do Processo Penal, diz  que a sentença absolutória é a demonstração cabal do erro judiciário, pois, é a prova de que o acusado jamais deveria ter estado naquele processo. O que importa no caso é que houve a tentativa de acerto coletivo e o reconhecimento de eventuais  erros como parte da complexidade institucional.

Vamos para o Ministério Público? As acusações são unipessoais, promotores e procuradores não submetem suas convicções e decisões à sua Instituição (pelo princípio da autonomia funcional). Eles, pessoalmente e cada um, são o Ministério Público. É a pessoa com ela mesma, com suas privadas e legítimas convicções  políticas e ideológicas, e o(s) desgraçado(s) que nasce(m) da acusação ministerial fundada ou infundada, enfim, os plenipotenciários de si mesmos. Agem, na maioria dos casos, para o bem; mas quando é para o mal, as consequências são estrondosas para toda a sociedade e, para o titular da desastrada acusação resta a absolvição prévia da larguíssima saia da autonomia funcional e da livre convicção sobre o sentido da existência humana.

Poderia aqui citar um sem-número de casos que vão desde o furto de galinhas até a estruturação do sistema elétrico nacional passando pela condenação de comunidades inteiras a eterna plantação de cebolas porque uma Procuradora da República “achava” (a expressão é essa mesma) que existia um tal de peixinho ou sapinho ou plantinha que nunca foram encontrados mas, a comunidade inteira, perdeu um megaempreendimento e continua lá, até os dias de hoje, plantando cebolas; ah! a procuradora? Vai muito bem, obrigado! e, sim, plena de suas convicções.

Eis o erro grave: a institucionalidade — sociedade — brasileira não se preveniu das pessoas que integram o Ministério Público. Não se trata de tolher a autonomia funcional dos agentes ministeriais, mas de criar mecanismos institucionais que previnam os erros de seres humanos agentes do Ministério Público (alguns não se veem assim) que podem, por humanidade, cometer e que, cometidos, diante da alta envergadura dos seus postos e amplíssimas prerrogativas constitucionais recebidas, trazem altas consequências à sociedade; o bem, vai sorvido, o mal?, lambido como a chaga que teima em não curar!

Falo a favor da instituição pública MP e da sociedade. Lógico, há uma meia dúzia de narizes torcidinhos, indignados e arrogantes, como se nós cidadãos não pudéssemos tecer considerações sobre empregados que são nossos. Aliás, tem gente por aí (juristas parquetianos) escrevendo que promotores e procuradores não são funcionários da sociedade, são do Estado e, isso, como forma de não prestarem contas a ninguém e seguirem por aí de tropelia em tropelia comprometendo a institucionalidade jurisdicional brasileira.

Errar é humano. Permanecer no erro, burrice ou convicção. O julgamento do Mensalão pelo STF, que começará nesta semana, demonstrará como determinadas acusações – despidas de qualquer conteúdo probatório — enfraquecem, aos olhos do povo, a nossa fragílima institucionalidade e como nós sociedade somos incapazes de responsabilizar determinadas classes de funcionários públicos.

Ou o Ministério Público amadurece institucionalmente ou nós advogados continuaremos a morrer de alegria pela quantidade enorme de causas que ganhamos todos os dias em vista dos erros crassos dos agentes plenipotenciários do Ministério Público do Brasil.

Ricardo Giuliani Neto é advogado em Porto Alegre, mestre e doutor em direito e professor de Teoria Geral do Direito na Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Sócio proprietário do Variani, Giuliani e Advogados Associados e autor dos livros "O devido processo e o direito devido: Estado, processo e Constituição" (Editora Veraz), "Imaginário, Poder e Estado - Reflexões sobre o Sujeito, a Política e a Esfera Pública" e "Pedaços de Reflexão Pública – Andanças pelo torto do Direito e da Política" (ambos da Editora Verbo Jurídico)

FONTE: Última Instância