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Advogado e contabilista em Jaguariúna, SP. Sócio convidado da ACRIMESP - Associação dos Advogados Criminalistas do Estado de São Paulo, desde 11 de agosto de 1997, título de cidadão jaguariunense pelo Decreto Legislativo 121/1997 e membro titular do CONPHAAJ - Conselho de Preservação do Patrimônio Histórico de Jaguariúna, nos biênios 2011 a 2012 e 2017 a 2018,

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Lei da Ficha Limpa e o império das surpresas: Direito não é matemática

Luiz Flávio Gomes - 28/09/2010

Três surpresas, dentre outras, ganharam protagonismo no julgamento, pelo STF (Supremo Tribunal Federal), da Lei da Ficha Limpa. Elas comprovaram, uma vez mais, que o direito não é matemática. A primeira surgiu logo no seu princípio, quando o Presidente da Corte, ministro Cezar Peluso, levantou uma questão preliminar no sentido de que a lei não teria nenhum valor jurídico, em razão da existência de vícios formais no momento da sua tramitação no Senado Federal. O projeto foi aprovado inicialmente na Câmara dos Deputados e sua redação tornava inelegíveis os candidatos que “tenham sido condenados” por uma das infrações e na forma descrita na referida lei.

Esse texto foi modificado pelo Senado Federal por proposta do senador Francisco Dornelles (PP–RJ) e a redação final transformou-se para “os que forem condenados”. De acordo com o ponto de vista do presidente do STF teria havido uma modificação radical no projeto de lei e isso, de acordo com o processo legislativo constitucional vigente, exigiria o seu retorno para a Câmara dos Deputados. Não teria ocorrido um mero ajuste de redação, sim, uma alteração essencial no projeto.

Dois motivos nos levam a adotar posição contrária à do eminente ministro Peluso. Em primeiro lugar, a alteração da redação foi puramente formal. No ordenamento jurídico brasileiro nós encontramos incontáveis dispositivos legais que ora dizem “os que tenham sido condenados” e ora dizem os “que forem condenados”. Trata-se de questão estritamente formal, que não chega a permitir nenhum questionamento de inconstitucionalidade, por essa razão. Acrescente-se que qualquer que tivesse sido a redação sempre seria exigível uma interpretação por parte do Judiciário. Portanto, não parece acertado que o Supremo Tribunal Federal deixe de analisar o mérito da ação em julgamento, prendendo-se a aspectos formais. O que todos estamos aguardando é a sua interpretação final, que deve ser conforme a Constituição.

Em segundo lugar, no modelo processual brasileiro o juiz não pode atuar de ofício, salvo em situações extremamente peculiares e devidamente contempladas na lei, como é o caso da concessão de habeas corpus de ofício, em favor do réu, em casos de patente constrangimento ilegal contra a liberdade do indivíduo. Por força do sistema acusatório, que faz parte da essência do nosso Estado de Direito, o juiz somente pode atuar quando devidamente provocado. As partes, neste caso da lei da ficha limpa, não argüiram absolutamente nada relacionado à inconstitucionalidade formal. Logo, não nos parece acertado o argumento do ministro Peluso no sentido de que todos os ministros deveriam votar antes a questão da validade formal da lei.

O que mais importa e o que todo país está esperando é, sem sombra de dúvida, o julgamento do mérito da questão, ou seja, saber se a lei da ficha limpa é, ou não, aplicável às eleições deste ano de 2010. É isso que gerará grande repercussão nacional, porque muitos candidatos podem ser eleitos no próximo dia 3 de outubro e depois não terem condições de tomarem posse em seus cargos. A decisão do Supremo, de outro lado, pode também interferir no voto dos eleitores, na troca de candidatos e no resultado das eleições.

A segunda surpresa, até certo ponto previsível,) foi o empate na votação (5x5). A terceira consistiu em o Ministro Peluso ter se recusado a votar pela segunda vez ou fazer valer o seu como “voto de qualidade” —“não tenho pendor para déspota”, teria dito. O julgamento foi suspenso e, logo em seguida, veio a notícia da renúncia da candidatura de Roriz. A ação pendente de julgamento final perdeu seu objeto. O STF, nesse caso, terá que firmar seu posicionamento em outra ação.

Não há dúvida, diante de todo exposto, que a decisão de mérito do STF continua sendo aguardada, até mesmo com muita ansiedade, por todos os que estamos atentos ao processo democrático brasileiro. De qualquer modo, uma coisa é certa: a lei é constitucional, e isso já foi um avanço. Quem imaginou o contrário se frustrou. As possíveis soluções para o desempate são as seguintes: (a) fazer valer o “voto qualidade” do presidente; (b) a proclamação contrária à pretendida (o pedido seria negado) e (c) aguardar o voto do 11º ministro (ainda não nomeado)

QUEM É LUIZ FLÁVIO GOMES?
Luiz Flávio Gomes é mestre em direito penal pela USP e doutor em direito penal pela Universidade Complutense de Madrid. Foi promotor de Justiça em São Paulo de 1980 a 1983 e juiz de direito em São Paulo de 1983 a 1998. É professor honorário da Faculdade de Direito da Universidad Católica de Santa Maria (Arequipa, Peru) e professor de vários cursos de pós-graduação, dentre eles o da Facultad de Derecho de la Universidad Austral (Buenos Aires, Argentina) e o da Unisul (SC). É consultor do Iceps (International Center of Economic Penal Studies), em New York, e membro da Association Internationale de Droit Penal (Pau-França). É diretor-presidente da Rede LFG (Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes), que promove cursos telepresenciais com transmissão ao vivo e em tempo real para todo país. É autor de vários livros (clique aqui para ver a lista completa), entre eles: Responsabilidade Penal da Pessoa JurídicaPenas e Medidas Alternativas à Prisão e Presunção de Violência nos Crimes Sexuais.

FONTE: `Última Instância.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Liberdade artística de Gil Vicente e Paz Social

Nicholas Merlone - 22/09/2010

Temos visto nas últimas semanas o embróglio entre a OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo) e a Bienal de São Paulo, no que tange as obras de Gil Vicente. A OAB requereu inicialmente que se retirasse a série de quadros “Inimigos” do artista por considerar a ocorrência de “Apologia ao Crime”, nos termos do artigo 287 previsto no Código Penal, uma vez que há nos quadros retratos de personalidades como FHC e Lula sendo ameaçados com revólver e faca, respectivamente, pelo pintor. Tendo a Bienal se negado, a OAB recorreu ao MP (Ministério Público). No contexto, cabe analisarmos a questão da liberdade de expressão artística e da Paz Social.

A OAB afirmou que “certamente não se pode impedir que uma obra seja criada, mas se deve impedir que seja exposta à sociedade em espaço público se tal obra afronta a paz social, o estado de direito e a democracia, principalmente quando pela obra, em tese, se faz apologia de crime.”

Por outro lado, Ruy Barbosa já dizia que “não se pode viver dentro da civilização e fora da arte”, o que demonstra a preocupação com a necessidade da última para melhor a primeira compreender e nela se inserir, enquanto seres humanos e cidadãos críticos e conscientes no mundo atual com diversos desafios político-econômico-sociais e culturais.

Mencionando alguns nomes, temos o artista espanhol Pablo Picasso, que em seu quadro Guernica faz referência a Guerra Civil Espanhola, culminando na ditadura de Francisco Franco. Outro seria o libertino escritor francês Marquês de Sade, autor por exemplo de 120 dias de sodoma, obra em que nobres abusavam de crianças raptadas em um castelo. O primeiro trata-se de um exemplo claro de manifestação política muito conhecido, enquanto o segundo, embora de tema polêmico, um clássico da literatura universal.

O artigo 5º, IX da Constituição da República traz disposto ser “livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”. Contudo, sabemos que os direitos fundamentais não são absolutos, tendo limites.

Dessa forma, prevê o artigo 220, parágrafo 3º da Carta Política que compete a lei federal:

"I –regular as diversões e espetáculos públicos, cabendo ao Poder Público informar sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada;
Segundo José Afonso da Silva, ao mencionar Jean Rivero, os espetáculos envolvem “criação artístistica, que traduz certa visão do homem e da vida, uma estética ou mesmo uma opção política”. (da Silva, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24ª. ed. Malheiros. p. 254)

O inciso I possui natureza classificatória e da menção acima percebemos, como sabemos, ser possível que por meio de uma criação artística, manifeste-se um ponto de vista político.

Dessa forma, acredito existir na realidade um conflinto aparente entre a liberdade artística de Gil Vicente e a Paz Social, uma vez que bastaria se imporem as restrições do artigo 220, parágrafo 3º, I da Constituição da República, para não ferir nenhum dos direitos.

FONTE: Última Instância.


terça-feira, 21 de setembro de 2010

Mais excessos do populismo penal

Luiz Flávio Gomes - 21/09/2010

É um grande equívoco da população, da mídia e do legislador imaginar que leis penais mais rigorosas “solucionam” o problema da criminalidade, da violência e da insegurança pública. A persistência nesse caminho errado vem gerando consequências muito drásticas para nosso país. De acordo com os dados do IBGE, de 2010, a taxa de mortes por homicídio no país aumentou de 19,2 em 1992 para 25,4 em 2007, para cada 100 mil habitantes. Aumento de 32%!

Pesquisa revelada pelo Índice de Homicídios na Adolescência – IHA (pesquisa em 267 municípios com mais de 100 mil habitantes) dá conta de que, entre 2006 e 2012, serão assassinados mais de 33 mil adolescentes no Brasil.

De 1940 a 2009 o legislador brasileiro,  atendendo as demandas punitivistas da população e da mídia, aprovou 122 leis penais, das quais 80,3% de caráter punitivista (tese de doutoramento de Luís Wanderley Gazoto). Já são 70 anos de política criminal equivocada. Basta! É hora de o Brasil abrir os olhos, de acordar para a realidade.

Os crimes, sobretudo os hediondos, têm que ser punidos, não há nenhuma dúvida sobre isso, mas não se pode confundir repressão com a verdadeira prevenção. O direito penal e a pena, quando chegam, já é tarde demais: o crime já aconteceu, a vida humana já se foi, o patrimônio já foi depredado. Como confiar só numa coisa na lei penal que nos é “vendida” como única “solução” para o problema da violência endêmica no nosso país?

Solução mesmo para a criminalidade, violência e insegurança pública só se pode esperar com uma política preventiva séria, coisa que o Brasil nunca fez eficazmente, fundada nas suas vertentes primárias -arrumar as raizes do problema-, secundárias -criar obstáculos ao crime- e terciárias -evitar a reincidência. Fora disso, é triste, mas é preciso proclamar, é pura enganação, simbolismo, emotividade, emergencialismos, irracionalidade e desproporcionalidade.

No mesmo dia em que o STF admitia penas substitutivas alternativas para pequenos traficantes (01.09.10, HC 97.256), julgando inconstitucionais partes do artigo 33, parágrafo 4º e do artigo 44 da lei de drogas (Lei 11.343/2006), que proibiam qualquer tipo de pena substitutiva alternativa para todo tipo de traficante, a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado Federal aprovava projeto de lei que aumenta o rigor da punição dos autores dos crimes hediondos, incluindo-se o tráfico de drogas, passando a exigir 4/5 de cumprimento da pena de prisão em regime fechado, para que haja progressão para o regime semi-aberto: 4/5 significa 80% da pena. Isso é uma burla ao princípio da progressão de regime.

A exigência de cumprimento efetivo de 80% da pena prisional em regime fechado para só depois se permitir a progressão (para o regime semi-aberto) é flagrantemente inconstitucional, por violar o princípio da proporcionalidade (razoabilidade). O STF já julgou inconstitucional a lei dos crimes hediondos na parte em que proibia qualquer tipo de progressão de regime. Agora terá pela frente a tarefa de julgar inconstitucional a eventual lei (vamos ver se o projeto do Senado passa pela aprovação da Câmara dos Deputados) que quer exigir 80% de cumprimento da pena para a progressão de regime. Isso é irracional e desarrazoado.

Não se trata de uma exigência equilibrada, sensata. Quanto vão exigir do reincidente? 99%? Falta-lhe proporcionalidade a mais não poder. Por via indireta o legislador está criando uma espécie de impossibilidade (prática) de progressão de regime, em flagrante burla ao princípio da individualização da pena e à decisão do STF.

Mais uma vez estamos diante do fenômeno chamado populismo penal, que só tem o propósito de enganar a (incrivelmente crente) população brasileira que, induzida pelo populismo midiático, continua vendo no rigorismo penal a “solução” para o problema da criminalidade, da violência e da insegurança pública.

QUEM É LUIZ FLÁVIO GOMES?

Luiz Flávio Gomes é mestre em direito penal pela USP e doutor em direito penal pela Universidade Complutense de Madrid. Foi promotor de Justiça em São Paulo de 1980 a 1983 e juiz de direito em São Paulo de 1983 a 1998. É professor honorário da Faculdade de Direito da Universidad Católica de Santa Maria (Arequipa, Peru) e professor de vários cursos de pós-graduação, dentre eles o da Facultad de Derecho de la Universidad Austral (Buenos Aires, Argentina) e o da Unisul (SC). É consultor do Iceps (International Center of Economic Penal Studies), em New York, e membro da Association Internationale de Droit Penal (Pau-França). É diretor-presidente da Rede LFG (Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes), que promove cursos telepresenciais com transmissão ao vivo e em tempo real para todo país. É autor de vários livros (clique aqui para ver a lista completa), entre eles: Responsabilidade Penal da Pessoa JurídicaPenas e Medidas Alternativas à Prisão e Presunção de Violência nos Crimes Sexuais.

FONTE: Última Instância.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Numerologia forense – entre as capas de cartolina, tem gente!

Ricardo Giuliani Neto - 20/09/2010



Dentre os que defenderam a incorporação do Controle Externo sobre as atividades da magistratura, lá estou eu. Era o único Poder de Estado que, administrativamente, não se submetia a nada e a ninguém. O judiciário avançou de um Estado de Direito para um Estado DEMOCRÁTICO de Direito – como os demais poderes da República.

Mas o fato é que aí estão os Conselhos Nacionais de Justiça e do Ministério Público. Avanços democráticos e, em que pese as resistências de juízes e promotores recalcitrantes, o controle externo tem funcionado, mais para o bem do que para o mal.

Na semana passada a manchete foi “o judiciário em números”. Louvemos, então, a possibilidade de tomarmos conhecimento do que acontece por dentro das fortalezas judiciárias, em números.
Tão certos quanto podem ser os números – que não têm alma – erros podem a partir deles serem induzidos e legitimados.

A Justiça brasileira custou-nos R$ 109,00 reais por brasileiro. Esse dado não mostra que os valores destinados à assistência aos necessitados não ultrapassa R$ 0,79 no Brasil e, por exemplo, R$ 0,49 centavos de real por brasileiro no Rio Grande do Sul. Sim a mais pujante justiça brasileira, segundo os números, é a que menos atende aos seus necessitados; A justiça que mede suas sentenças aos milhões tem na cabeça da organização judiciária “salários” da ordem de 367 mil dólares/ano para o Chefe do Poder, o Presidente do STF, enquanto nos Estados Unidos estes valores não ultrapassam os 190 mil dólares/ano para o Presidente da Suprema Corte.

Segundo os dados do CNJ prolata-se no
Brasil uma sentença a cada hora e meia, por magistrado!!! Isso se contarmos 365 dias trabalhados em jornadas ininterruptas de 8h. De 2003 pra cá, o custo da Justiça pulou de 19 bilhões para mais de 39 bilhões. É daqui que sai a conta dos R$ 110 pilas per capita. Há, quase esqueço, a magistratura americana ganha entre 3 e 5 vezes a renda per capita média das bandas de lá. Nas bandas de cá, esse número sobe para até 43 vezes. Não errei: são 43 mesmo!

E assim vamos. As atividades principais dos cartórios de hoje é o preenchimento de planilhas e mais planilhas. A jurisdição no Brasil, quando falamos em efetividade e qualidade decisória, vai de mal a pior. Ninguém mais sabe por qual lado vem o juiz. Decisões de um mês não duram mais do que um mês. Coerência jurisprudencial é coisa de um romantismo já vacilante. Câmaras com idêntica composição, numa semana julgam a mesmíssima causa de um jeito para, na outra, julgarem-na de outro totalmente diferente. Como queria que os números mostrassem isso. Mas não!, números não medem convicções e não estampam rostos ou sentimentos. Quantos advogados vagam por gabinetes e gabinetes e não recebem a glória de serem recebidos nos gabinetes de alguns magistrados. Lembro-me das aulas de processo: como fazer a prova negativa? Não há números para isso, e parece que, neste terreno, estamos pirambeira abaixo.

Mas fazer o quê?, num sistema que oferece ao pobre um “juiz leigo”, que não é juiz e nem  leigo? O juizado de pequenas causas, ou especiais, como queiram, nasce desta hipocrisia. Dizem que ali há um juiz; mas juiz é somente aquele constitucionalmente investido. Dizem que ali há um leigo; mas esse leigo deverá ser bacharel em direito. Nem juiz, nem leigo! Este é o sistema inventado para os pobres, para os donos das “pequenas causas”; causas tão pequenas que no mais das vezes envolvem a totalidade dos  bens juntados por uma família durante uma vida inteira. E o sistema enche a boca para dizer, “pequenas causas” e estampar milhões e milhões de causas resolvidas. Uma galinha comida inteira por uma pessoa, se dividida estatisticamente por dois, resulta em meia galinha per capita. Números, não lhes posso pedir alma.

Por outro lado, os grandes negócios, os que modelam o mundo globalizado, não precisam do judiciário; têm para si o juízo arbitral, privado. Eis o paradoxo dos números, eis os paradoxos das escolhas ideológicas de um Estado de novo tipo.

Mas bem, para nós outros, resta reconhecer que a Justiça que nos custa, a cada um, R$ 110 pilas, é a Justiça a ser dada para uma classe média alienada e inconsciente de si própria.

QUEM É RICARDO GIULIANO NETO?
Ricardo Giuliani Neto é advogado em Porto Alegre, mestre e doutor em direito e professor de Teoria Geral do Direito na Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Sócio proprietário do Variani, Giuliani e Advogados Associados e autor dos livros "O devido processo e o direito devido: Estado, processo e Constituição" (Editora Veraz), "Imaginário, Poder e Estado - Reflexões sobre o Sujeito, a Política e a Esfera Pública" e "Pedaços de Reflexão Pública – Andanças pelo torto do Direito e da Política" (ambos da Editora Verbo Jurídico)

FONTE: Última Instância.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Vivemos, sim, uma democracia

Pedro Estevam Serrano - 16/09/2010

Tenho evitado entrar nos temas diretamente afeitos às eleições por saber que estão sujeitos a condições de temperatura e pressão diferenciadas e apaixonadas. Mas há no ar um debate inusitado, que me impele a uma manifestação em prol dos valores que julgo basilares a um Estado Democrático de Direito.

O fato é que estou estarrecido com a total perda de parâmetros no momento de se tecer críticas políticas e com os sucessivos e desproporcionais ataques à nossa História. Contestar e condenar o governo Lula faz parte do jogo democrático e do livre exercício do direito fundamental de liberdade de expressão. Por vezes utilizei este espaço, e outros em demais órgãos de imprensa, para criticar o que considero ter sido equivocado no governo. Afinal, nenhum governo está isento de cometer erros e é do contraditório que se abrem novas possibilidades de avanço democrático.

Mas é flagrantemente desproporcional, juridicamente, inclusive, qualquer alusão a um ambiente repressivo e/ou ditatorial. Infelizmente, tenho lido diversas manifestações na mídia que vão desde um diagnóstico de que estamos a um passo do totalitarismo à constatação de que a vitória nas urnas do projeto representado pelo presidente Lula consagrará o modelo mexicano, em que o voto popular serviria apenas para referendar a determinação do partido governista —no caso, o PRI (Partido Revolucionário Institucional) do México.

Chegam ao ridículo de comparar Lula, um presidente eleito e num regime democrático de plena liberdade de expressão de pensamento, ao presidente Emílio Garrastazu Médici, presidente imposto pela ditadura militar, que perseguiu, prendeu, exilou e torturou opositores.

Tais manifestações parecem objetivar o uso do atual processo eleitoral para justamente jogar fora os valores que fortalecem nossas instituições e democracia. A importância do voto, a liberdade de expressão e o exercício da atividade jornalística ganham relevância secundária em ambiente que confunde o atual estágio democrático brasileiro com períodos ditatoriais. Ao alimentar tais engodos conceituais, descortina-se o palco para se solapar a vontade manifesta nas urnas. Alguns parecem querer recriar o clima pré-golpe de 1964.

É fundamental debelar essa confusão que só pode ser proposital: não vivemos hoje no Brasil nada parecido com o que foi a ditadura militar. Quem a vivenciou sabe que hoje a circulação de informações é livre. A prova maior disso é que críticas tão infundadas e tão distantes da realidade prosperam sem freios, algo que não aconteceria em hipótese alguma no regime militar, onde preponderava a ação dos censores. Na época de Médici, críticas ao presidente, como as que são feitas a Lula, seriam substituídas por receitas de bolo nos jornais.

O que me parece mais inacreditável é que se caminha para montar, com o beneplácito de grandes veículos de comunicação, uma realidade virtual, divorciada dos fatos. Uma construção virtual que se costura a partir do poder de comunicar para difundir torpezas. Esse processo preocupante me faz questionar os beneficiários da fragilização de nossas instituições.

O que se põe em questão não é o direito da imprensa em publicar o que queira, e os analistas emitirem a opinião que considerarem adequada, mesmo que fundada em comparações históricas desprovidas de qualquer sentido. O que se cobra aqui nesta coluna é um mínimo de ética e qualidade jornalística em nossa mídia. O mau jornalismo vai cada vez mais levando nossa mídia ao absoluto autismo social, o que é uma imensa perda para nossa democracia.

Afinal, se é verdade que vivemos o aperfeiçoamento de nossa democracia, nossa preocupação deve ser acentuar esse processo, emprestando um mínimo de ética e qualidade técnica a nossas análises jornalísticas.

QUEM É PEDRO ESTEVAM SERRANO:

Pedro Estevam Serrano é advogado, sócio do escritório Tojal, Teixeira Ferreira, Serrano e Renault advogados associados, mestre e doutor em direito do Estado pela PUC-SP, professor de direito constitucional, fundamentos de direito público e prática forense de direito do Estado da Faculdade de Direito da PUC-SP, bem como do curso de especialização em direito administrativo da pós-graduação (latu sensu) da mesma faculdade. É ex-procurador do Estado de São Paulo, ex-secretário de assuntos jurídicos da prefeitura municipal de São Bernardo do Campo. Autor de diversos artigos na área de direito constitucional e administrativo publicados em revistas especializadas, tendo proferido diversas palestras sobre temas inerentes à área. Autor da obra "O Desvio de Poder na Função Legislativa" (editora FTD) e "Região Metropolitana e seu regime constitucional" (editora Verbatim). Coautor da obra “Dez Anos de Constituição” (ditora IBDC).

FONTE: Última Instância.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Google Brasil é condenada a revelar criador de falso perfil no Orkut

A Google Brasil Internet Ltda. foi condenada a informar os dados de um usuário do Orkut que fez um falso perfil de outra usuária, para denegrir a imagem dela na Internet. A sentença é da juíza da 16ª Vara Cível de Brasília e cabe recurso.

A autora da ação afirmou ser universitária e dona de um perfil no Orkut desde 2005, compartilhado com cerca de 250 pessoas, entre amigos e familiares. Ela relatou que, no dia 20 de outubro de 2007, ao acessar o Orkut, entrou em outro perfil de usuário, que estampava seu nome e foto e outras informações pessoais, exceto o seu e-mail.

A estudante disse que comunicou o ocorrido à Google Brasil para que fosse excluído o perfil falso, mas o pedido só foi atendido dois dias depois. A autora afirmou ainda que, no período em que ficou ativo, o usuário, passando-se por ela, enviou mensagens às pessoas do círculo social da estudante, com comentários ofensivos e pejorativos sobre sua opção sexual.

A autora pediu, como antecipação de tutela, que a empresa fosse obrigada a lhe fornecer os dados cadastrais do usuário do perfil falso, para que ela pudesse entrar com ação indenizatória contra ele. Pediu também que a Google Brasil fosse condenada a pagar as custas do processo judicial. A tutela antecipada foi aceita pela decisão da juíza.

Em contestação, a ré afirmou ter cumprido a decisão de fornecer os dados pedidos pela autora, apesar de não se reconhecer como gestora do serviço do Orkut, que seria responsabilidade da empresa norte-americana "Google, Inc.". A empresa, no entanto, apresentou apenas o número do registro do usuário na Internet, chamado "IP".

Segundo a Google, a autora poderia identificar o CPF e endereço do respectivo usuário pelo provedor de acesso, como a Brasil Telecom, por exemplo, que é responsável pela criação do número IP de cada usuário. Além disso, informou que pela página www.registro.br, é possível identificar qual o provedor de acesso do respectivo IP.

A ré argumentou, ainda, que, por força do termo de Política de Privacidade dos serviços prestados, certos dados de cadastro de usuário, incluído o IP, são protegidos por sigilo, em obediência a preceitos constitucionais, e, somente poderiam ser disponibilizados por ordem judicial. Por isso, alegou que não pode ser responsabilizada pelo pagamento das custas do processo judicial.

Na decisão, a juíza verificou que a pretensão da autora foi atendida, já que pedia a apresentação de todos os dados de que a empresa dispunha. "Não se poderia exigir da ré que carreasse aos autos documentos os quais não guarde consigo", afirmou a magistrada. Além disso, a juíza ressaltou que, graças ao número IP fornecido pela Google Brasil, a autora conseguiu, junto à Brasil Telecom, a provedora de acesso, as demais informações desejadas.

A magistrada afirmou, no entanto, que não merece acolhimento o argumento da Google Brasil, de que se encontrava impedida de fornecer os dados solicitados por proibição constitucional. Segundo a juíza, decisão semelhante do TJDFT entendeu que o fornecimento de dados pelo provedor para identificar invasor de página da Internet que introduz conteúdos pornográficos falaciosamente não se enquadra naqueles que a Constituição protege como invioláveis e sigilosos, porque o artigo 4ª da mesma norma também veda o anonimato. Por isso, a magistrada condenou a Google Brasil a pagar as custas processuais e honorários advocatícios, fixados em R$ 2 mil.

Nº do processo: 2007.01.1.138822-7

FONTE: Editora Magister.

Passeio de Maria Fumaça Campinas / Jaguariúna




PASSEIO ABERTO AO PÚBLICO:

Partindo de Anhumas em Campinas (ida e volta):

Para Jaguariúna, com duração de 03h30min, valor de R$ 50,00 por pessoa: sábado às 10h10min e domingo às 10h10min e 14h30min.

Para Tanquinho, com duração de 01h30min, valor de R$ 30,00: sábado às 15h00min e domingo às 16h30min.

Partindo de Jaguariúna (ida e volta):

Para Tanquinho, duração de 01h30min, valor por pessoa R$ 30,00: sábado às 15h00min e domingo 10h00min e14h00min.

Para Anhumas, duração de 03h30min, valor por pessoa R$ 50,00: domingo somente às 12h30min com duração de 03h30min.

Obs: A compra de ingresso nas Estações sempre ocorre com a pessoa chegando de 40 a 50 minutos antes da partida do trem, pois montamos a composição do trem conforme o número de pessoas que estão na Estação. Reservas, acima de 20 pagantes antecipados e feita por telefone.

Crianças de 5 a 12 anos e maiores de 60 anos pagam meia passagem.

Dúvidas pelo fone: 19-3207-3637.

FONTE: www.mariafumacacampinas.com.br

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Eleições e populismo vitimológico.

Luiz Flávio Gomes - 14/09/2010

Que pena que agora, nestas eleições, inclusive os parentes das vítimas da violência (pais, mães etc.) acabaram também contaminados pelo vírus do populismus poenalis. O populismo penal, precisamente porque explora, no pior sentido da palavra, uma emoção atávica e primitiva do ser humano —medo do crime—, sempre constituiu terreno fértil para a germinação da clássica “bancada parlamentar da bala” ou do “chumbo grosso”, constituída sobretudo de milicianos, policiais ou ex-policiais civis, militares ou federais, juízes aposentados ou membros do Ministério Público.

Agora são os parentes das vítimas da violência que estão tentando se eleger sob a virótica bandeira do populismo penal (O Estado de S. Paulo de 12 de setembro de 2010, p. A12). Eles não veem eficiência na solução dos crimes, mas prometem nas suas campanhas exatamente a mesma coisa que sempre foi oferecida pela classe política: mais rigor penal, irracionalidade, desproporcionalidade, legislação vingativa emergencial etc. Mais e mais da mesma enganação! A articulista, do jornal O Estado de S. Paulo, escreveu: “Os candidatos vítimas de violência não têm plataformas tão radicais ou populistas de combate ao crime”. Será?

Pregam o endurecimento das leis e apostam no apelo emocional. Um deles quer a responsabilização penal de todas as crianças, de qualquer idade, desde que se trate de crime hediondo e haja avaliação psicológica positiva. Isso é totalmente inconstitucional (CF, artigo 228).

O pai de uma vítima disse: “Nós temos uma postura mais humana, queremos um sistema carcerário mais justo, não pena de morte”. Os crimes hediondos, de qualquer maneira, têm que ter pena máxima de 100 anos. Isso também é totalmente inconstitucional, porque significa prisão perpétua. Aliás: até à morte.

Vamos humanizar(!): 100 anos de cadeia, responsabilidade penal para todas as crianças etc. Emotividade, irracionalidade e desproporcionalidade são as marcas registradas do populismo penal, cujos defensores depositam muita fé e pregam o rigor punitivo, do castigo, como “solução” para o problema da violência e da segurança pública no nosso país.

O delito, especialmente quando cruel, gera fortes e emocionadas reações nas pessoas. Essa reação emocional produz uma intensa demanda por mais castigo, fim da impunidade e mais rigor penal. O castigo do crime promove a coesão da sociedade (Durkheim). A pena acaba cumprindo, na prática, essa função, de união, de coesão, da coletividade.

A mídia usa e abusa dessa primitiva reação popular emotiva e hiperdramatiza a violência, fazendo coro à demanda de mais rigor punitivo. O legislador, sensível que é ao clamor público e midiático, sucumbe e aprova mais leis. Alguns chegam até a defender o rigor penal como “solução” para o problema da violência e da insegurança. Nesse ponto algumas propostas beiram o charlatanismo.

Nas últimas sete décadas (de 1940 para cá) o legislador penal brasileiro não fez outra coisa que aprovar mais e mais rigor punitivo. Luís Wanderley Gazoto, que é membro do Ministério Público federal, acaba de apresentar tese de doutoramento na UnB comprovando o seguinte: de 1940 a 30 de junho de 2009 o Congresso Nacional brasileiro aprovou 122 leis penais, sendo 80,3% leis punitivistas (agravadoras da sanção penal), 12,3% leis benéficas ao infrator e 7,4% indiferentes.

Algumas penas foram quintuplicadas, sextuplicadas ou octuplicadas. Na 53ª legislatura da Câmara dos Deputados (de janeiro de 2007 a 30 de junho de 2009) foram apresentados 308 projetos, sendo 95% punitivistas (incremento das penas). Na 52ª e 53ª legislaturas do Senado Federal (de janeiro de 2003 a 30 de junho de 2009) foram apresentados 172 projetos, sendo 97% punitivistas.

São sete décadas de populismo penal incandescente e nada de resultado positivo. As prisões estão abarrotadas: quase 500 mil presos. Mas a criminalidade não diminuiu e a violência não se arrefeceu. Esse modelo de mais rigor punitivo como “solução” para o problema da criminalidade brasileira está esgotado. Transformou-se numa bandeira ilusória, puramente simbólica, que só tem valor eleitoreiro, porque o povo ainda equivocadamente acredita no discurso punitivista.

Temos que lutar com todas nossas forças por um programa de prevenção sério e efetivo da violência e da criminalidade em geral. Temos que repensar toda nossa política criminal e mudar radicalmente de rumo, adotando medidas concretas de prevenção primária (que cuidam das raízes do crime), secundária (criando obstáculos ao crime) e terciária (o criminoso não pode sair da cadeia pior do que entrou).

É chegado o momento de agirmos com responsabilidade e o máximo de cientificidade nessa área. De “soluções” milagrosas, eleitoreiras e irracionais já estamos todos fartos. O populismo penal, por tudo que apresentou até hoje no Brasil, é anti-tiririca: com ele, a cada dia pior fica.

QUEM É LUIZ FLÁVIO GOMES:
Luiz Flávio Gomes é mestre em direito penal pela USP e doutor em direito penal pela Universidade Complutense de Madrid. Foi promotor de Justiça em São Paulo de 1980 a 1983 e juiz de direito em São Paulo de 1983 a 1998. É professor honorário da Faculdade de Direito da Universidad Católica de Santa Maria (Arequipa, Peru) e professor de vários cursos de pós-graduação, dentre eles o da Facultad de Derecho de la Universidad Austral (Buenos Aires, Argentina) e o da Unisul (SC). É consultor do Iceps (International Center of Economic Penal Studies), em New York, e membro da Association Internationale de Droit Penal (Pau-França). É diretor-presidente da Rede LFG (Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes), que promove cursos telepresenciais com transmissão ao vivo e em tempo real para todo país. É autor de vários livros.

FONTE: Última Instância.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

STF concede liminar para candidato a deputado que teve contas rejeitadas

O ministro Marco Aurélio, STF (Supremo Tribunal Federal), concedeu liminar favorável ao ex-prefeito municipal de Aurora (CE), Francisco Carlos Macedo Tavares, candidato ao cargo de deputado federal nas próximas eleições. Anteriormente, o parlamentar teve a prestação de contas rejeitada pelo TCM-CE (Tribunal de Contas dos Municípios do Estado do Ceará), o que resultou no indeferimento de seu registro da candidatura pelo TRE-CE (Tribunal Regional Eleitoral do Ceará).

O ex-prefeito entrou com uma reclamação (RCL 10499) para que o Supremo anulasse as decisões do Tribunal de Contas e todos os atos deles decorrentes e determinasse nova análise das contas apenas para a emissão de parecer, sem impor multas ou punições que não seriam de sua competência.

De acordo com informações do STF, o candidato alegou que a competência para aprovar ou rejeitar contas municipais é da Câmara de Vereadores, e não do Tribunal de Contas. A inicial cita jurisprudência do próprio STF, que, nas Adins (Ações Diretas de Inconstitucionalidade) nºs 3715 e 849, decidiu que os Tribunais de Contas, em relação aos chefes do Poder Executivo, sempre emitem pareceres, e não julgamento, acerca das contas dos prefeitos.

Em seu despacho, o ministro Marco Aurélio assinalou que “nunca é demasia abrir a Constituição Federal e emprestar-lhe a maior concretude possível”. O relator observou a simetria entre o artigo 31 e o artigo 71, incisos I e II, da Constituição, para afirmar a necessidade de a manifestação do Tribunal de Contas ser tomada “como parecer técnico, aguardando-se o crivo do Poder Legislativo quanto à aprovação ou à rejeição das contas”.

Constituição

O artigo 71 dá, nos dois primeiros incisos, tratamento diferenciado às contas do chefe do Poder Executivo da União em relação aos administradores em geral: no caso do primeiro, o TCU examina as contas prestadas pelo Presidente da República e limita-se a emitir parecer, cabendo ao Congresso Nacional o seu julgamento. Em relação às contas de administradores e demais responsáveis por recursos públicos da administração direta e indireta, o Tribunal de Contas julga. “O Presidente da República, os governadores e os prefeitos igualam-se no que se mostram merecedores do status Chefes de Poder”, observa o ministro Marco Aurélio.

O artigo 31, por sua vez, preceitua que a fiscalização do município seja exercida pelo Poder Legislativo municipal. “A limitar a atuação dos Tribunais de Contas dos Estados ou dos municípios, constata-se a existência, no próprio texto constitucional, de norma que os aponta como órgãos auxiliares da Câmara Municipal (parágrafo 1º), o que excluiu a possibilidade de lhes ser reconhecida autonomia suficiente à rejeição das contas dos prefeitos. “A atividade meramente auxiliar não pode ser transmudada em decisória”, conclui.

FONTE: Site do STF 13/09/10.

domingo, 12 de setembro de 2010

"Inimicus Curiae" da Lei da Ficha Limpa.

José Marcelo Vigliar - 10/09/2010

É a terceira semana que escrevo sobre alguns aspectos da denominada Lei da Ficha Limpa que suscitam debates.

Nas duas semanas anteriores, ative-me ao fato preocupante que envolve a consideração prematura (destituída da salvaguarda que o fenômeno da coisa julgada material institui) da condição de ímprobo do agente público que não teve sua condenação transitada em julgado mas que, apenas pela existência de condenação de órgão jurisdicional colegiado, se torna inelegível.

Ainda não tinha refletido sobre a aplicação do princípio constitucional da anterioridade em matéria eleitoral.

Considerando que a Lei da Ficha Limpa prevê como fundamento da inelegibilidade uma condenação não definitiva, rompendo com garantias constitucionais expressas, tomo também a liberdade de me antecipar. Passo a imaginar a existência de uma ação declaratória de inconstitucionalidade da Lei da Ficha Limpa. Mais: me apresento na esquisita figura de seu “inimicus curiae”.

Como determina a cautela de quem demanda (mesmo que imaginariamente junto aos tribunais superiores), faço breve pesquisa da jurisprudência do E. STF (Supremo Tribunal Federal), quando considera a garantia da anterioridade em matéria eleitoral.

Curiosamente, deparo com os fundamentos que foram empregados pelo próprio Ministro Ricardo Lewandowski, na Ação Direta de Inconstitucionalidade n 3.741-2 - DF, de que foi o Eminente Relator.

O eminente Ministro Ricardo Lewandowski, após apresentar os fundamentos que garantem a participação de ministros do STF que, por determinação constitucional, também integram o Colendo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) nas votações das ações diretas de inconstitucionalidade em matéria eleitoral (considerando que, na ocasião, em jogo também estava a Resolução 22.205 do TSE), e depois de citar alguns renomados autores que cuidaram da definição e importância do processo eleitoral como elemento da própria definição de democracia, assim se pronunciou o Ministro Relator:

“As alterações normativas introduzidas pelo diploma legislativo impugnado, pois, devem ser compreendidas à luz dessas reflexões, que traduzem o ideal de um processo eleitoral livre e democrático, assentado, ademais, sobre o postulado constitucional da moralidade, que necessariamente rege toda a atividade pública.”

Até aqui já deveríamos atentar para o fato que esse mesmo Estado Democrático de Direito determinou que apenas com o trânsito em julgado de sentença condenatória seja licito cogita da imoralidade administrativa do agente público, que está na base das condutas dos artigos 9º e 10 da Lei 8.429/92 e representa a própria essência do seu artigo 11. Contudo, essa tema já enfrentamos nas colunas de 27 de agosto e de 3 de setembro de 2010, publicadas aqui mesmo em Última Instância.

No momento, conforme mencionado acima, interessa-nos a anterioridade em matéria eleitoral. Sobre o tema, prossegue o Ministro Ricardo Lewandowski: “A partir dessas considerações, cumpre examinar com mais detença a questão de fundo ventilada nesta ação, qual seja, saber se as indigitadas modificações normativas constituem ou não ofensa ao princípio da anterioridade da lei eleitoral”.

Nesse particular, considerou o Ministro Ricardo Lewandowski a jurisprudência do STF, assim votando: “Essa Corte já teve a oportunidade de estabelecer o alcance do princípio da anterioridade, por ocasião do julgamento da ADI 3.345, relatada pelo Ministro Celso de Melo, assentando que‘a norma inscrita no artigo 16 da Carta Federal, consubstanciadora do princípio da anterioridade da lei eleitoral, foi enunciada pelo Constituinte com o declarado propósito de impedir a deformação do processo eleitoral mediante alterações casuisticamente nele introduzidas, aptas a romperem a igualdade de participação dos que nele atuem como protagonistas principais: as agremiações partidárias, de um lado, e os próprios candidatos de outro’”.

Prosseguiu, Sua Excelência, apresentando o desfecho do julgamento da mencionada ADI relatada pelo Eminente Ministro Celso de Melo: “a função inibitória desse postulado só se instaurará quando a lei editada pelo Congresso Nacional importar em alterações dos processo eleitoral”.

Finalmente, passou a enumerr os fundamentos que o STF entende essenciais como elementos capazes de ferir a anterioridade em matéria eleitoral: “1) o rompimento da igualdade de participação dos partidos políticos e dos respectivos candidatos no processo eleitoral; 2) a criação de deformação que afete a normalidade das eleições; 3) a introdução de fator de perturbação do pleito; ou 4) a promoção de alteração motivada por propósito casuístico”.

Numa palavra, como se colhe do voto do Ministro Ricardo Lewandowski, qualquer uma dessas condições isoladas - considerando que antes da última arrolada encontramos a partícula “ou”- seria suficiente para a necessária consideração do disposto no artigo 16 da Constituição Federal.

No caso da Lei da Ficha Limpa isso está claro.

Há flagrante e inequívoco rompimento da igualdade de participação dos candidatos. As situações são muitas. Muitos exemplos podem ser formulados. Assim como fiz nas referidas colunas anteriores, atenho-me apenas a duas hipótese que ora me ocorrem, para fomentar a reflexão e verificar como o item 1, acima mencionado, está presente e caracteriza fundamento suficiente para a declaração de inconstitucionalidade parcial da Lei da Ficha Limpa.

Analisemos: a) o já condenado não definitivamente por juiz singular pode participar do pleito de 2010 (a despeito da qualidade da prova, da profundidade da fundamentação da sentença de mérito etc., é cidadão elegível); b) contudo, o condenado por colegiado (também de forma não definitiva, considerando a pendência, v.g., de recurso extraordinário) torna-se, pela Lei da Ficha Limpa um risco para a sociedade, ainda que tenha sido, suponhamos, absolvido em primeiro grau!

Onde a igualdade de tratamento? Desde quando órgão jurisdicional colegiado exerce “mais” ou “melhor” jurisdição que órgão monocrático? Una e indivisível, a questão não é da jurisdição, mas da possibilidade de exercê-la no caso concreto (ou seja, de competência).

Há uma desigualdade na aceitação da condição de elegibilidade do candidato pelo fato de dois ou três magistrados terem julgado procedente os pedidos deduzidos em primeiro grau, devolvidos em recurso para o segundo grau, ainda que pendente um julgamento definitivo pelo cabimento de julgamento pelos tribunais de sobreposição que se destinam justamente para aplicar a Lei Federal de forma idêntica na Federação.

A anterioridade, reconhece o Ministro Ricardo Lewandowski , deve prevalecer no caso da Ficha Limpa, caso mantenha os mesmos profundos fundamentos que empregou na Adin que relatou e que acima foi parcialmente mencionada (valendo por tudo a sua integral leitura, mormente pelas citações que faz de Bobbio, Kelsen, Popper, Alf Ross, Luhmann e Habermas, tornando seu V. Acórdão uma peça de erudição ímpar).

Mesmo que em voto já prolatado no TSE tenha reconhecido a não aplicação dessa expressa garantia constitucional (anterioridade), deve, agora no STF, mantendo a jurisprudência da Corte Suprema que ele mesmo utiliza e a ela acresce elementos essenciais, reconhecer a sua inaplicabilidade para 2010, pois essa é a hipótese clara contida no V. Acórdão relatado pelo Eminente Min. Celso de Melo, largamente transcrito na Adin 3.741-2/DF.

Felizmente, como bem lembrado no voto dessa Adin 3.741-2/DF, mesmo que integrando o TSE na qualidade de seu presidente, poderá participar de eventual votação no STF, reformulando seu voto, na hipótese de manter os fundamentos que o Supremo vem considerando para a aplicação do princípio ora lembrado.

Aguardemos

FONTE: Última Instância.

sábado, 11 de setembro de 2010

Varas criminais vão testar sistema digital de cálculo de pena e concessão de benefícios a presos

Um sistema digital para calcular o tempo de pena e a concessão de benefícios a presos já condenados será testado pelas varas de Execução Penal do país até o final de outubro. A medida foi criada pelo grupo de trabalho do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), que acompanha permanentemente a execução penal no Brasil.

De acordo com o juiz auxiliar da presidência do CNJ Márcio Keppler, a calculadora digital é um mecanismo que será testado e aperfeiçoado. “Muitos sistemas já fazem o cálculo, mas não conseguem confirmar se tais cálculos estão corretos. Depois do teste nos estados, um grupo de servidores vai se reunir para avaliar a ferramenta, determinar o que precisa ser modificado e tentar formatar um modelo”.

A calculadora faz parte de um software – programa de computador – usado por tribunais para calcular o fim da pena e também o tempo de concessão de benefícios, como progressão de penas e os chamados saidões. Porém, nem todas as unidades da Federação dispõem da ferramenta. Após o teste, os tribunais poderão optar pelo uso definitivo do mecanismo. “Estamos extraindo essa calculadora [do software] para doar aos estados”. Segundo Keppler, o uso da calculadora evitará equívocos no cálculo das penas e facilitará o trabalho das varas criminais.

O grupo de magistrados que vai acompanhar a execução penal no país foi instituído na semana passada. O objetivo do grupo é promover o acompanhamento regular do sistema e uniformizar a execução penal no país, além de estabelecer diretrizes de monitoramento e fiscalização do sistema carcerário.

FONTE: Última Instância.

Proposta diferencia pena por tráfico conforme a droga.

A Câmara analisa o Projeto de Lei 7610/10, do deputado Fernando Coruja (PPS-SC), que estabelece penas diferenciadas para o crime de tráfico de entorpecentes de acordo com o grau de risco da substância traficada. A proposta altera a Lei Antidrogas (11.343/06).

O projeto institui três graus distintos de risco, mas não chega a classificar os entorpecentes. Determina que essa classificação será feita levando em consideração o perigo à saúde do usuário, a possibilidade de causar dependência, e os danos à sociedade, ouvidos os Ministérios da Saúde e da Justiça.

Pelo projeto, o grau de risco 1 acarretará pena de reclusão entre 3 e 10 anos; para o grau 2, reclusão entre 5 e 15 anos; e, para o grau 3, reclusão entre 10 e 30 anos. Em todos os casos, o traficante deverá pagar multa entre R$ 500 e R$ 1.500.

Experiência internacional

Coruja argumenta que esse tipo de classificação de risco já é adotada, com bons resultados, na maioria dos estados norte-americanos e também no Reino Unido. Outros 13 países europeus estabelecem penalidades diversificadas de acordo com as quantidades encontradas.

O deputado cita como exemplo atual a disseminação do crack - "uma das drogas mais rentáveis e perigosas, capaz de levar à dependência e aumento da criminalidade muito rapidamente".

Coruja observa que os usuários do crack são em geral induzidos ao crime e à prostituição, e para obter a droga costumam expor-se a elevados riscos de contaminação pelo HIV e outras doenças sexualmente transmissíveis. "O uso do crack acarreta inevitavelmente o aumento nos gastos com saúde pública", destaca.

O parlamentar diz que optou por não estabelecer a classificação de cada tipo de entorpecente no texto da lei para não "engessar" a política de combate às drogas.

"As características de abstração e relativa imutabilidade da norma jurídica com status de lei devem ser observadas, razão pela qual propugnamos pela criação de uma escala, que poderá ser mais maleável na esfera da regulamentação. Dessa forma, novas drogas, ou aquelas cujo potencial ofensivo cresça nos próximos anos, podem ser incluídas ou vir a figurar em graus mais gravosos, como pode vir a ser o caso da merla", explica.

Tramitação

O projeto será analisado pelas comissões de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado; e de Constituição e Justiça e de Cidadania. Depois, seguirá para o Plenário.

FONTE: Agência Câmara de Notícias, 10/09/10.

Sancionada lei que acelera tramitação de recurso judicial, transformando o Agravo de Instrumento em Agravo.

LEI No- 12.322, DE 9 DE SETEMBRO DE 2010
Transforma o agravo de instrumento interposto
contra decisão que não admite recurso
extraordinário ou especial em agravo
nos próprios autos, alterando dispositivos
da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 -
Código de Processo Civil.
O P R E S I D E N T E D A R E P Ú B L I C A
Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono
a seguinte Lei:
Art. 1o O inciso II do § 2o e o § 3o do art. 475-O, os arts. 544
e 545 e o parágrafo único do art. 736 da Lei no 5.869, de 11 de
janeiro de 1973 - Código de Processo Civil, passam a vigorar com a
seguinte redação:
"Ar. 475-O. .............................................................................
..................................................................................................
§ 2o ..........................................................................................
.........................................................................................................
II - nos casos de execução provisória em que penda agravo
perante o Supremo Tribunal Federal ou o Superior Tribunal de
Justiça (art. 544), salvo quando da dispensa possa manifestamente
resultar risco de grave dano, de difícil ou incerta reparação.
§ 3o Ao requerer a execução provisória, o exequente instruirá
a petição com cópias autenticadas das seguintes peças do processo,
podendo o advogado declarar a autenticidade, sob sua
responsabilidade pessoal:
.............................................................................................." (NR)
"Art. 544. Não admitido o recurso extraordinário ou o recurso
especial, caberá agravo nos próprios autos, no prazo de 10
(dez) dias.
§ 1o O agravante deverá interpor um agravo para cada recurso
não admitido.
.........................................................................................................
§ 3o O agravado será intimado, de imediato, para no prazo de 10
(dez) dias oferecer resposta. Em seguida, os autos serão remetidos à
superior instância, observando-se o disposto no art. 543 deste Código
e, no que couber, na Lei no 11.672, de 8 de maio de 2008.
§ 4o No Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de
Justiça, o julgamento do agravo obedecerá ao disposto no respectivo
regimento interno, podendo o relator:
I - não conhecer do agravo manifestamente inadmissível ou
que não tenha atacado especificamente os fundamentos da decisão
agravada;
II - conhecer do agravo para:
a) negar-lhe provimento, se correta a decisão que não admitiu
o recurso;
b) negar seguimento ao recurso manifestamente inadmissível,
prejudicado ou em confronto com súmula ou jurisprudência dominante
no tribunal;
c) dar provimento ao recurso, se o acórdão recorrido estiver
em confronto com súmula ou jurisprudência dominante no tribunal."
(NR)
"Art. 545. Da decisão do relator que não conhecer do agravo,
negar-lhe provimento ou decidir, desde logo, o recurso não admitido
na origem, caberá agravo, no prazo de 5 (cinco) dias, ao
órgão competente, observado o disposto nos §§ 1o e 2o do art.
557." (NR)
"Art. 736. ................................................................................
Parágrafo único. Os embargos à execução serão distribuídos
por dependência, autuados em apartado e instruídos com cópias
das peças processuais relevantes, que poderão ser declaradas autênticas
pelo advogado, sob sua responsabilidade pessoal." (NR)
Art. 2o Esta Lei entra em vigor 90 (noventa) dias após a data
de sua publicação oficial.
Brasília, 9 de setembro de 2010; 189o da Independência e
122o da República.
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Luiz Paulo Teles Ferreira Barreto
Luís Inácio Lucena Adams

FONTE: Diário Oficial da União, de 10/09/10.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Penas substitutivas no tráfico de drogas e o populismo penal midiático.

Luiz Flávio Gomes - 07/09/2010

No dia 1º de setembro de 2010, por seis votos a quatro, o STF (Supremo Tribunal Federal) admitiu penas substitutivas para o tráfico de drogas. Julgou inconstitucionais partes dos artigos 33, parágrafo 4º e 44 da Nova Lei de Drogas (Lei 11.343/06), que proíbem expressamente a conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos (também conhecida como pena alternativa) para condenados por tráfico de drogas.

Aos juízes, em cada caso, compete a tarefa de aplicar ou não tais penas. A decisão foi tomada no habeas corpus 97.256 (STF, HC 97256) e, portanto, vale somente para o processo julgado. Mas o mesmo entendimento poderá ser aplicado a outros processos que cheguem à Corte sobre a mesma matéria.

O que devemos extrair dessa decisão do STF é o seguinte: o Poder Político (Legislativo + Executivo), navegando uma vez mais pela onda do populismo penal, que defende como bandeira o rigor penal para a “solução” dos problemas graves do país, cometeu excesso —como bem sublinhou o Ministro Celso de Mello. Foi além do que podia quando proibiu penas substitutivas, alternativas, para “todos” os delitos de tráfico de drogas. O poder de “fabricar leis” é limitado. O legislador ordinário já não pode escrever nas leis tudo que lhe vem à cabeça.

No tempo do legalismo, primeiro paradigma do direito moderno, que surgiu no século XIX para a proteção da burguesia ascendente, o poder político podia tudo. Os juízes, eunucos que eram (alguns ainda assim se comportam, em pleno século XXI), nada faziam contra as leis. Eram servos da lei. Confundia-se a lei com o direito. Na era da pós-modernidade vigoram também outros paradigmas do direito: o constitucionalista, o internacionalista e o universalista.

Agora, nem tudo que o legislador escreve vale. Seu texto já não é bíblico. A lei aprovada pelo poder político se torna vigente, mas não vale; é fundamental distinguir a vigência da validade da lei, conforme Ferrajoli.

Todas as eventuais barbaridades (inconstitucionalidades e inconvencionalidades) escritas pelos legisladores são, agora, glosadas pelos juízes. O legislador constituinte de 1988 evoluiu muito em termos de proteção dos direitos e garantias fundamentais do indivíduo. Mas no artigo 5º, inc. XLIII, plantou um “ovo de serpente”, permitindo tratamento “duro” para os crimes hediondos e equiparados.

De qualquer maneira, traçou concomitantemente os limites desse “ovo”. Tais crimes não admitem fiança, graça ou anistia. Só! Mais que isso nada pode ser proibido genericamente, como disse o Ministro Ayres Britto. A regra é a liberdade. A prisão é exceção. Ao proibir penas substitutivas para o tráfico de drogas a lei foi além do que podia. Criou-se uma serpente mais venenosa que o próprio ovo. Não pode. E não pode por quê?

Porque o legislador ordinário tem que respeitar o princípio constitucional da individualização da pena, que é tarefa do juiz, levando em conta todas as peculiaridades do fato e do agente concretos. O legislador não pode, com seus critérios abstratos e populistas, querer substituir o juiz. A César o que é de César.

O STF, por sua lúcida e ilustrada maioria (ilustrada porque se afasta do obscurantismo medieval), não vem se mostrando conivente com a demagogia, tão inerente à democracia de massas (Weber).

O legislador da Lei 11.343/2006 agiu com muita lucidez ao distinguir, no artigo 33, os vários tipos de traficantes: pequeno, médio e grande. Mas na hora de estabelecer o regime sancionatório para eles se perdeu na irracionalidade e na irrazoabilidade. Tratou todos igualmente e rigorosamente. Violou o princípio da igualdade, porque os desiguais devem ser tratados desigualmente (Rui Barbosa).

O duro e, às vezes, hediondo tratamento conferido ao grande traficante não pode ser idêntico para o pequeno traficante (menores, mulheres ou gente primária e de bons antecedentes). A cada um o que é seu. Cada crime deve ser punido na medida da sua gravidade, já dizia Beccaria, em 1764. Isso se chama proporcionalidade.

Lições tão elementares do direito ainda não são assimiladas por grande parte da opinião pública, que sempre se ilude com a promessa de mais “rigor penal”. Tampouco pela mídia populista que, aproveitando-se do medo da população, que anda bastante intranquila diante dos altos níveis de insegurança pública, não perde uma só ocasião para gerar mais medo, mais intranquilidade, mais insegurança, mais irresignação.

“Milhares de traficantes serão soltos”! Foram essas as manchetes escandalosas. Importante contribuição para o baixo índice de credibilidade do STF e mais pressão em cima dos juízes de primeiro grau. Mas é disso que vive a pouco científica mídia populista.

FONTE: Última Instância.

O "Caso Neymar" e a legislação.

Caio Madureira Constantino - 07/09/2010

A permanência do jogador Neymar, no Santos, depois de investidas sedutoras dos dirigentes ingleses do Chelsea, deixou um gostinho de vitória para o futebol brasileiro. Mas não somente isso. Mostrou ao mundo dos esportes algumas das facetas da atual legislação que regula as transações de atletas no país, ajudando a esclarecer a opinião pública sobre o assunto.

Quem acompanhou o “Caso Neymar” tomou ciência de detalhes importantes da legislação atual, que antes viviam basicamente em um mundo teórico ou, se aplicados, não ganhavam a exposição devida de mídia para compreendê-los.

Os mais desavisados ficaram sabendo, mesmo com relativo atraso, que o tal do “passe” não existe mais. Ou seja, clube nenhum compra hoje o passe de um atleta. Este instituto foi excluído com a entrada em vigor da Lei Pelé (Lei nº 9.615/98). Até então, o vínculo federativo do atleta com o clube não terminava com o fim do contrato de trabalho. Somente acabava com a “quitação” do valor do passe, fixado pelo clube, o qual concedia a “carta de alforria” ao jogador, autorizando o mesmo a defender outro escudo. Isso acabava prendendo, a contragosto, jogadores a determinadas agremiações.

A partir da vigência da lei Pelé, foi instituído uma verba indenizatória nos casos de rescisão do contrato através da “clausula penal”. Ou seja, se qualquer das partes pretender não cumprir o que foi pactuado, basta pagar a indenização prevista para que todos os efeitos sejam dissolvidos.

Este pagamento provoca a dissolução do vínculo empregatício entre o desportista e o clube. Seu valor é de até 100 vezes a remuneração anual do atleta. Assim, pode-se dizer que a expressão mais correta é “indenização” (prévio estabelecimento de perdas e danos), e não multa contratual, como alguns preferem falar, até para não confundir com a multa rescisória do contrato de trabalho desportivo, de natureza eminentemente trabalhista.

Quer dizer, então, que bastava o Chelsea ter desembolsado o equivalente a até 100 vezes o salário anual de Neymar para levá-lo? Não é bem assim!

Nos casos de transferências internacionais, a legislação permite ao clube brasileiro estipular qualquer valor para a cláusula penal, muitas vezes extrapolando o cálculo com base no salário anual x 100. Desta forma, ficou aberta a possibilidade de maior contenção da evasão de atletas brasileiros. Em alguns casos, inclusive, o clube e o atleta podem se tornar “sócios” da indenização pela cláusula penal.

Logicamente que a permanência de Neymar no Brasil passa também pela estratégia do Santos em oferecer-lhe um plano de carreira que, possivelmente, garanta ao atleta bons resultados financeiros. Mas não há como negar que o fato em si deve inspirar cartolas de outras equipes brasileiras na condução de negociações de atletas, sobretudo com agremiações estrangeiras. Pelo menos é o que se espera de dirigentes sérios e comprometidos com o sucesso do clube.

Uma última observação que faço é sobre a propalada renovação de contrato de Neymar, com o Santos, pelo período de cinco anos. A legislação atual, em princípio, não permite esta manobra, fixando o prazo de cinco anos como limite temporal de um contrato.

Denoto, portanto, que possivelmente, Neymar, seus empresários e o clube tenham dado fim ao contrato antigo para a formalização de outro. Na verdade, o que se viu foi uma funcional e planejada arquitetura que garantiu a permanência, pelo menos por enquanto, de um dos mais novos e preciosos atletas do esporte brasileiro dentro do país do futebol.

FONTE: Última Instância.