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Jaguariúna, SP, Brazil
Advogado e contabilista em Jaguariúna, SP. Sócio convidado da ACRIMESP - Associação dos Advogados Criminalistas do Estado de São Paulo, desde 11 de agosto de 1997, título de cidadão jaguariunense pelo Decreto Legislativo 121/1997 e membro titular do CONPHAAJ - Conselho de Preservação do Patrimônio Histórico de Jaguariúna, nos biênios 2011 a 2012 e 2017 a 2018,

domingo, 12 de agosto de 2012

O PAPEL DO ADVOGADO NA PROMOÇÃO DA JUSTIÇA E A PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA COMO IMPERATIVO DO ESTADO DE DIREITO




“Para o suspeito, o movimento é melhor do que o repouso, pois aquele que repousa sempre pode, sem o saber, estar no prato de uma balança e ser pesado junto com seus os pecados.” 
(O Processo, Franz Kafka). 



Recentemente, a delegacia seccional de Santo André (Grande São Paulo) abriu inquérito para investigar a conduta de Ana Lúcia Assad, advogada de Lindemberg Alves, durante o julgamento desse último, investigação que foi pedida pela promotora de Justiça Lusara Brandão de Almeida, da Promotoria Criminal de Santo André, tendo sido rejeitado pelo juiz daquela Comarca, Glauco Costa Leite, Habeas Corpus para o trancamento do Inquérito, agora pendente de julgamento novo Habeas Corpus endereçado ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. 

O HC impetrado em segunda instância invoca, com razão e assertividade, que a Constituição, no artigo 133, prevê a inviolabilidade do advogado em atos e manifestações no exercício profissional, o que é reafirmado no artigo 7º, parágrafo 2º, do Estatuto da Advocacia e da OAB (Lei Federal 8.906/94). O Código Penal, no artigo 142, inciso II, ainda, afirma que não constitui injúria ou difamação punível a ofensa feita em juízo, na discussão de uma causa, o que inclui os advogados. 

Quem milita na área criminal sabe que, não raro, magistrados formulam perguntas e adotam posturas de modo a perquirir a condenação e não a busca da verdade, que no âmbito do processo penal, é intitulada verdade real ou ainda verdade material ou substancial, e constitui princípio motor, conforme a redação do artigo 566 do Código de Processo Penal. 

Ao agir de modo a buscar a condenação do réu, sem freios nem medidas, em flagrante inobservância dos ditames de ordem constitucional atinentes à defesa, ausente a sensibilidade que deve permear a atividade judicante, o julgador impõe o medo e o horror ao réu, verdadeiro terrorismo de Estado só visto em tempos de regime de exceção, expurgado pela Carta de 1988. 

O verdadeiro teatro do absurdo! Enquanto advogados forem acusados de desacato à autoridade, injúria ou difamação por se manifestarem em favor de seus clientes não se terá por efetivado o Estado Democrático de Direito, com prejuízo à ampla defesa que é garantia constitucional do réu, sobretudo em processo criminal. Do mesmo modo, enquanto o medo imposto ao réu imperar em detrimento da busca da verdade que deve ser refletida na sentença, estar-se-á aniquilando o sentimento de justiça em cada cidadão deste país. 

É preciso que todos aqueles que participam da atividade jurisdicional tenham em mente sempre os valores que inspiram o ordenamento jurídico e que, indubitavelmente, colocam o ser humano no epicentro do sistema. 

Magistrados e membros do Ministério Público devem sentir que sua missão é maior do que eles mesmos, o que implica no compromisso inalienável da busca da verdade, rumo certo a ser seguido, ao invés de hostilizarem o réu (e por vezes, como maior expressão do arbítrio, a defesa), sobre quem ainda não recaiu a condenação lastreada em provas bastantes. Nesse contexto, a parcialidade demostrada por quem detém o poder de conceder a liberdade ou restringí-la macula o espírito de isonomia e a missão de salvaguarda de direitos que constitui pilar do Poder Judiciário, cuja função, antes de mais nada, é de cunho assecuratório. 

Urge a revisão da cultura jurídica desde os bancos acadêmicos, passando pela implementação de mecanismos que possibilitem aferir a vocação do postulante a um cargo público, tal como o de promotor ou de juiz, cuja atuação reflete nos destinos do jurisdicionado, limitando-se a sua entrada na função ao conhecimento dos códigos, como que se lhes exigisse apenas a reprodução automática de mandamentos legais, em demontração de completo desconhecimento da realidade social e dos imperativos de ordem político-jurídica que ditam em essência a aplicação das leis e a prolação de sentenças – e não de decretos condenatórios prolatados por magistrados trasvestidos de promotores, esses últimos cujo dever impõe trabalhar com a verdade e pugnar pela absolvição quando dela convencidos, o que raramente se vê nos corredores forenses, pois como asseverou Pontes de Miranda1, “Errar é humano, coagir é vulgar, abusar do poder é universal e irremediável.” 

Olvidam da advertência de Rui Barbosa os que, investidos do poder de julgar, se colocam acima do bem e do mal e agem com abuso e autoritarismo, como se verifica na célebre Oração ao Moços: 



"Não sigais os que argumentam com o grave das acusações, para se armarem de suspeita e execração contra os acusados; como se, pelo contrário, quanto mais odiosa a acusação, não houvesse o juiz de se precaver mais contra os acusadores, e menos perder de vista a presunção de inocência, comum a todos os réus enquanto não liquidada a prova e reconhecido o delito. Não acompanheis os que, no pretório, ou no júri, se convertem de julgadores em verdugos, torturando o réu com severidades inoportunas, descabidas, ou indecentes; como se todos os acusados não tivessem direito à proteção dos seus juízes, e a lei processual, em todo o mundo civilizado, não houvesse por sagrado o homem, sobre quem recai acusação ainda inverificada." 

Ignoram, ainda, os ensinamentos do Professor Dalmo de Abreu Dallari2 que, de forma cartesiana, explica as diferenças fundamentais entre as figuras do suspeito, do acusado e do condenado, e os gravames decorrentes disto, posto que: 


“...na prática não se tem levado em conta essa diferenciação, havendo muitos casos em que o simples suspeito recebe o tratamento mais rigoroso que se dispensaria ao condenado, ocorrendo casos em que a mera suspeita desencadeia uma repressão mais drástica do que a que poderia resultar da mais pesada condenação (...) O simples suspeito é alguém que pode ou não ter praticado uma ilegalidade. É extremamente perigoso, além de contrário aos mais elementares princípios jurídicos e humanitários, confundir-se a mera suspeita com o fato comprovado. Muitas vezes existe uma aparência de culpa, reunindo uma série de coincidências, parecendo não haver qualquer dúvida quanto à autoria de um delito. E mais tarde, após minuciosa investigação, verifica-se que se tratava, na verdade, de meras coincidências." 

Esquecem-se outros tantos, na nobre função de prover a justiça, de que o advogado, a quem cumpre o dever de zelar pela presunção de inocência que milita em favor de seu constituinte – garantia fundamental insculpida na Constituição Federal por força do artigo 5º, inciso LVII – é instrumento de distribuição de justiça e não um empecilho a sua efetivação, ator fundamental que é à própria existência do Estado de Direito, do qual decorre a sua função e para o qual deve se dirige toda a sua atividade, com observância plena aos preceitos constitucionais. Nesse sentido, diga-se para logo que andou bem a Comissão de Reforma do Código Penal ao prever no anteprojeto a criminalização da violação das prerrogativas do advogado. 

Afinal, aqueles que agem em descompasso com essas prerrogativas assim o fazem revelando moral conservadora inabalável, irretorquível, como se estivessem acima da lei e não pudessem algum dia ser acusados, denunciados, ocasião em que terão de se valer da defesa de um advogado, aquele mesmo contra quem um dia vociferaram e a quem um dia tentaram colocar a mordaça. Nesse momento se questionarão: quem assegurará a “minha” liberdade e os “meus” direitos? 

1. História e pratica do Hábeas corpus. 3.ed. Rio de janeiro: Jose Konfino editor, 1955, pág. 127
2. O renascer do direito: Direito e vida social, aplicação do Direito e Direito e Política”, 2ª ed., São Paulo, Saraiva, 1980, p. 60-1

Autor: Ricardo Ludwig Mariasaldi Pantin. 


Advogado Criminalista. Professor de Direito Constitucional, Direito Penal e Processual Penal em cursos preparatórios para a carreira jurídica e concursos públicos. Pós-graduado em Direito Constitucional pela Escola Superior de Direito Constitucional. Pós-graduado em Direito Penal e Processual Penal pela PUC/SP, mesma instituição onde é Advogado Orientador do Núcleo de Prática Jurídica da Faculdade de Direito e Professor Assistente de Direito Internacional Público 

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