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Jaguariúna, SP, Brazil
Advogado e contabilista em Jaguariúna, SP. Sócio convidado da ACRIMESP - Associação dos Advogados Criminalistas do Estado de São Paulo, desde 11 de agosto de 1997, título de cidadão jaguariunense pelo Decreto Legislativo 121/1997 e membro titular do CONPHAAJ - Conselho de Preservação do Patrimônio Histórico de Jaguariúna, nos biênios 2011 a 2012 e 2017 a 2018,

sábado, 2 de junho de 2012

Morador de rua é condenado à prisão domiciliar por furto


Parece incrível, mas é verdade! O morador de rua Nelson Renato da Luz foi colocado em prisão domiciliar porque seu caso não é previsto em lei. Há uma espécie de “vácuo normativo” para a situação por ele trazida a julgamento.


O título deste artigo é retirado de uma manchete do site G1, cuja matéria foi reproduzida como foto em uma página do Facebook, a qual recebi como link de compartilhamento e que notei ter sido compartilhada mais de duas mil vezes.

Compartilhamento recente, mas não a notícia.

Hoje, o morador de rua se encontra novamente – e ainda! – na rua.

O caso foi julgado em janeiro do corrente ano, pelo TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo), que na ocasião determinou, segundo o acórdão, a conversão da prisão preventiva em prisão domiciliar, nos termos da nova lei processual penal. Houve recurso contra a decisão (embargos de declaração) e, neste, foi decidida pela liberação – isto pode ser visto com alguns detalhes no site do TJ-SP, no HC nº 0269751-13.2011.8.26.0000.

E por que ele foi preso?

Porque furtava pela segunda vez placas de zinco da Estação República do Metrô, provavelmente para usá-las como cama e colchão de dormir. Foi preso em flagrante, colocado na cadeia e, no processo ao qual se deu início pelo crime – e que, ao que parece ainda está em andamento – a juíza decidiu converter o flagrante em prisão preventiva.

Vale dizer, como era reincidente, apesar de ser crime de pequeno potencial ofensivo, furto, segundo a juíza, o morador de rua deveria aguardar o julgamento na cadeia. Pela nova lei, a decisão da juíza é errada até em termos formais, pois contraria texto expresso. 

O absurdo do caso começa aqui, pois a mentalidade encarceradora não mudou mesmo com a alteração da lei. E alguns acreditam que para se resolver problemas basta mudar a lei. Ou, então, por todo mundo na cadeia.

Depois, embora tenha sido submetido a exame de sanidade mental, que concluiu por problemas de “transtornos mentais e de comportamento decorrentes do uso de múltiplas drogas e do uso de outras substâncias psicoativas”, não se deixou claro nos autos que o morador de rua morava na rua! 
Como se decidir sobre a vida de uma pessoa sem levar em conta todas as circunstâncias que a envolvem?

O acórdão é uma aula de processo penal, no que tange à interpretação da nova lei da prisão preventiva e das medidas cautelares penais, criticando inclusive, mesmo delicadamente, a postura de carcereira da juíza. Todavia, o quadro que envolvia o morador de rua não foi examinado em sua totalidade.

E o que aconteceu? Essa decisão tragicômica de se colocar um morador de rua em prisão domiciliar. 

Outro problema: a lei realmente não trata do caso do morador de rua, que não cometeu crime violento, mas que apresenta transtornos psíquicos a indicar internação em local adequado.

Como ele é doente, mas não violento, a Justiça não pode determinar que ele seja internado para tratamento, pois isso fere seu “direito subjetivo” de liberdade. Por isso a prisão domiciliar. E agora, diante do absurdo da situação, a soltura completa do morador de rua.

Pergunta-se: o que ele vai fazer? Continuar morando na rua, continuar subtraindo placas do Metrô e, pior, continuar a consumir drogas e a ficar mais doente ainda.

Será que nossos operadores do direito, tão preocupados com a norma e direitos subjetivos, não têm um pingo de compaixão para ver que esse homem não tem ninguém a olhar por ele e precisa de ajuda?

Será que para ele só existe a cadeia ou a rua?

A internação ofende sua liberdade? Ok, defensores alegóricos de direitos subjetivos, pergunto: e a dignidade dele, sim sua dignidade como pessoa humana, a viver na rua, mais desprezado que um cão?

Aliás, se ele fosse um cão, seria objeto de campanhas de adoção, tão em moda em dias atuais. Mas ele é só um ser humano. Assim, desde que não seja visto, não vale nada, a não ser como foto cômica a ser compartilhada em redes sociais.

João Ibaixe Jr. é advogado criminalista, escritor e jornalista. Possui pós-graduação em Filosofia e mestrado em Direito. Foi delegado de Polícia e assessor jurídico da Febem, atual Fundação Casa, e coordenador de núcleo de pesquisa no Departamento de Pós-graduação em Direito da PUC-SP. Organizador do “Plano de Legislação Criminal” de Jean-PaulMarat e autor do livro “Diálogos Forenses”, é palestrante do Departamentode Cultura da OAB-SP e editor dos blogs Por Dentro da Lei Criminalista Prático. É também membro efetivo do Núcleo de Aprimoramento Jurídico e Integração Cultural da OAB-SP e presidente do Instituto Ibaixe, criado para desenvolver estudos e eventos jurídicos, filosóficos e culturais.

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