Ricardo Giuliani Neto - 25/06/2012 - 10h49
A história do Paraguai é pródiga em instabilidade institucional, portanto, não falemos sobre lugares comuns.
Dizer que impediram o Presidente Lugo a partir da Constituição é zombar com o mínimo que se conhece de democracia, de história e de direito. O golpe foi perpetrado num flash, num piscar de olhos e num momento ímpar para a democracia na América Latina. É preciso que o Paraguai receba solidariedade dos povos.
Lugo? Pouco importa sua incompetência ou atrapalhações pessoais; pouco importam as incoerências e sua tentativa de agradar direita e esquerda; pouco importa filhos havidos fora do casamento; importa pouco se é Lugo ou qualquer outro; se é de esquerda ou de direita. Importa é a agressão flagrante à ordem democrática e ao povo paraguaio.
Um processo de impeachment que dura, da acusação à condenação, três dias, por definição, tem índole golpista. O princípio do devido processo legal, onde está inserido o da ampla defesa, não está cingido a um amontoado de letras e palavras que uma maioria circunstancial se encarrega de organizar para o atingimento dos seus próprios fins políticos. O exercício do poder político pelas maiorias está limitado pelas conquistas da civilização, especialmente no que tange aos cânones democráticos referentes à liberdade dos povos e à sua capacidade de escolher seus dirigentes.
No juízo político de impedimento de um Presidente, o elemento organizador da interpretação da Constituição — e da aplicação das suas regras de impedimento — é a sobrevalorização do voto e da manifestação popular que outorga o mandato e, por isso, o legitima; as limitações, impondo interpretações sempre restritivas ao juízo de impedimento, do agir do mundo da representação política, liga-se ao postulado que oferece soberania ao povo que elege. Então, digam o que quiserem dizer, ninguém, em situação alguma, pode obter um juízo de culpabilidade jurídica ou política no lapso de tempo tão exíguo de três dias.
Por óbvio, no caso paraguaio, já havia a urdidura política prévia, a condenação desde já, o que, por essa singela razão, já transforma o Congresso Paraguaio em Tribunal de Exceção: o tribunal que nasce para um fim previamente determinado. Ou alguém imaginava que o impeachment de Lugo seria indeferido?
O devido processo legal é aquele que se consuma de modo capaz a entregar o direito devido, ou seja, no caso concreto, o respeito ao sufrágio universal que consagrou o mandato de Lugo outorgado em processo público e democrático pelo Povo Paraguaio.
Se é um incapaz para governar e se há elementos que assim permitiriam o estartar do processo de impeachment, dever-se-ia permitir que, à luz do dia e na clareza de um processo legal, fossem constituídos os elementos de acusação formal e material e, portanto, assegurando-se a plena defesa e a possibilidade de que provas, argumentos e embate político — próprios deste tipo de processo — viessem à mesa e ao conhecimento da sociedade diretamente interessada na institucionalidade democrática do seu país.
O Brasil não deve reconhecer o novo governo paraguaio, ele nasce de um processo espúrio que não pode ser legitimado e, sobretudo, os ataques “legais” às democracias devem ser prontamente rechaçados, venham eles pela direita ou pela esquerda.
Ricardo Giuliani Neto é advogado em Porto Alegre, mestre e doutor em direito e professor de Teoria Geral do Direito na Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Sócio proprietário do Variani, Giuliani e Advogados Associados e autor dos livros "O devido processo e o direito devido: Estado, processo e Constituição" (Editora Veraz), "Imaginário, Poder e Estado - Reflexões sobre o Sujeito, a Política e a Esfera Pública" e "Pedaços de Reflexão Pública – Andanças pelo torto do Direito e da Política" (ambos da Editora Verbo Jurídico)
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