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Advogado e contabilista em Jaguariúna, SP. Sócio convidado da ACRIMESP - Associação dos Advogados Criminalistas do Estado de São Paulo, desde 11 de agosto de 1997, título de cidadão jaguariunense pelo Decreto Legislativo 121/1997 e membro titular do CONPHAAJ - Conselho de Preservação do Patrimônio Histórico de Jaguariúna, nos biênios 2011 a 2012 e 2017 a 2018,

domingo, 5 de maio de 2013

No júri, não adianta falar bonito, é preciso ser útil


Leandro Jorge Bittencourt Cano (*)

Uma coisa é certa, os jurados julgam a causa pelas informações colhidas durante a instrução processual e, principalmente, pelas teses sustentadas nos debates. No júri, não existe fórmula para ser bem-sucedido e os oradores devem levar ao conhecimento da magistratura popular as principais situações fáticas das provas dos autos.

É preciso cuidado para não esgotar a capacidade de compreensão dos ouvintes. Não basta impressionar os jurados com a eloquência das palavras, cujo único mérito é causar admiração pela beleza da forma. O discurso tem que ser claro e conclusivo, fugindo da linguagem rebuscada. Alguns, pela prolixidade, só confundem e apavoram os jurados. Não adianta falar bonito, é preciso ser útil e humilde. O arrogante e o prepotente estão fadados ao fracasso.

Às vezes, gestos, expressões faciais e olhares causam mais reação do que a fala por si só. Persuadir e convencer são tarefas árduas. A busca pela verdade é um impulso e ninguém quer errar – todos os que erram consideram o ‘seu’ engano como verdade. Portanto, a noção de verdade é conceito relativo.

Os discursos no Tribunal do Júri estão voltados não para atingir o conhecimento de certa verdade, mas para convencer um auditório sobre a culpa ou inocência de alguém que é acusado de ter praticado um delito de sangue. É como se acusação e defesa estivem ambas corretas, ou ambas erradas.

A argumentação precisa utilizar elementos de sedução, já que se trata de levar um grupo de pessoas a vivenciar, a se identificar com a causa e a subjetividade do réu e suas razões, para então julgá-lo. A argumentação é tão importante no julgamento popular que, dependendo do desempenho da acusação ou defesa, esse elemento pode superar todos os atos ocorridos no processo, inclusive as provas orais e materiais, conduzindo a uma única verdade, a do orador mais perspicaz.

A persuasão é a ideia nuclear da argumentação retórica. O problema surge quando o uso da retórica perde de vista o compromisso com a razão e com a verdade, criando-se a falácia, a ideia equivocada, a falsa crença. Podemos estar diante de raciocínio incorreto, mas, aos olhos do orador – e só dele – parece apropriado. Na prática, o que predomina é o discurso idealizado, pois temos duas teses que apontam para caminhos diferentes.

Chegamos ao apelo emocional através de sofismas que significam argumentos, não conclusivos, que servem ao propósito de induzir outrem a erro, notadamente para ganhar a qualquer preço uma discussão. O sofisma implica em má-fé. O orador deve se basear no princípio da moralidade. Por melhor orador que seja se, na vida pessoal e profissional, o indivíduo não for condizente com a moral e os bons costumes, não pode servir de exemplo. A retórica vazia causa imediata repulsa.

A grande aspiração de promotores de justiça e advogados é a de participarem de julgamentos em Cenáculos Populares e, usando as suas becas, produzirem orações cativantes, emocionadas e persuasivas aos jurados. O Tribunal do Júri é a menina dos olhos do Poder Judiciário, pois, na sua inteireza, corresponde a um espetáculo verbal rico e emocionante. Os oradores devem agir com sensibilidade e astúcia, escolhendo frases e argumentos para criar simpatia, prender a atenção e convencer o corpo de jurados das suas teses. A oratória forense, há tempos, deixou de ser arrebatada apenas no sentimentalismo. Modernamente, desfilam na tribuna oradores técnicos e frios, que visam mais a inteligência do que a sensibilidade. A comoção também faz parte do repertório do bom orador. É indispensável que ele seja agradável, sereno nos gestos, que tenha urbanidade e confiança do olhar. Faltando com ética ou ignorando os mais comezinhos princípios morais, o juiz-presidente deve chamar a atenção do orador que extrapolar tais limites, advertindo-o que a sua postura está se divorciando da retidão com a qual deve nortear os trabalhos.

Compreender e conhecer os autos talvez sejam o maior percentual de garantia de sucesso do orador. O ideal é que as partes busquem a verdade e usem os seus discursos apenas como instrumento dentro do processo e da busca pela Justiça. Nos debates são intensos os confrontos, seja pela razão ou pela emoção. Tanto a acusação como a defesa estão interessados em defender a sua verdade, como se fosse única. A verdade completa dificilmente ocorrerá em plenário, sendo ela ajustada até o momento que for conveniente para as partes. A conclusão é a de que, na grande maioria das vezes, o interesse maior da acusação e da defesa não é a de que prevaleça a Justiça. Ambas querem que prevaleça a sua verdade. Dependendo da forma com que a retórica for conduzida traz à tona novos elementos que transmitem novo olhar sobre fatos – e isso pode desencadear resultado surpreendente.

Os jurados não devem se iludir com os maravilhosos discursos, pois o direito de liberdade ou o direito à vida podem ser comprometidos por análise míope dos fatos. A exatidão da imputação depende de um importantíssimo mecanismo chamado prova e quando toca a alma e o coração do jurado, o voto é dado com a sua consciência, e não com a dos outros, e de acordo com os ditames da Justiça.

Os debates têm seus méritos, mas a verdade das provas no bojo dos autos sempre deve se sobressair sobre as divagações da oratória. Os jurados não são ignorantes como muitos pensam, prova maior ocorre quando não aceitam teses convergentes das partes, dissociadas da exatidão probatória, decidindo de modo contrário.

(*) Leandro Jorge Bittencourt Cano é juiz de Direito da Comarca de Guarulhos. Presidiu o julgamento de Mizael Bispo de Souza, condenado, em março de 2013, a 20 anos de prisão pela morte da advogada Mércia Nakashima.

FONTE: Última instância.

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