Não foi o uso do habeas corpus que se banalizou, mas, sim, o
descumprimento dos direitos garantidos ao cidadão pela Constituição
Federal
Poucos instrumentos jurídicos no país desempenharam papel tão relevante
para o fortalecimento do Estado democrático de Direito como o habeas
corpus. Diante de uma Justiça morosa, a celeridade do chamado "remédio
heroico" vem servindo de indispensável lenitivo para os desmandos e
arbitrariedades praticados por agentes públicos na persecução penal.
No entanto, apesar da sua importância para a preservação dos direitos e
garantias individuais, à guisa de suposta banalização e com o propósito
de aliviar os tribunais superiores abarrotados de habeas corpus, o
instituto vem sofrendo seguidas tentativas de restrição de seu regular
manejo, conforme previsto na Constituição Federal.
Primeiro foi a súmula 691 do Supremo Tribunal Federal (STF), que passou a
impedir que fosse impetrado habeas corpus na Suprema Corte para superar
negativa de liminar de tribunal inferior. Depois, a comissão que
redigiu o anteprojeto de reforma do Código de Processo Penal pretendeu
limitar o uso de habeas corpus, o que foi rejeitado graças ao firme
posicionamento contrário da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Agora, o habeas corpus está padecendo de novo revés. Recente decisão,
relatada pelo ministro Marco Aurélio Mello (STF), impede a impetração de
um segundo habeas corpus no STF, quando um primeiro tiver sido
rejeitado em tribunal inferior.
Esse entendimento passou a ser adotado pelo Superior Tribunal de
Justiça, de maneira que o cidadão atingido nos seus direitos
fundamentais terá de esperar o julgamento de um simples recurso, entre
tantos que demoram anos para ser apreciados.
É preciso lembrar que, nos anos da ditadura militar, a OAB, então
presidida por Raymundo Faoro, atuou fortemente pela distensão política. O
Brasil caminhava sob o jugo do Ato Institucional nº 5 (AI-5), que, em
nome da segurança nacional, mitigava todas as garantias constitucionais e
superlotava as dependências do DOI-Codi de antagonistas do regime.
Esses episódios pouco a pouco vão sendo elucidados pelas comissões da
verdade, inclusive aquela formada pela OAB São Paulo, que tem por
objetivo resgatar a atuação da advocacia paulista naquele período.
Faoro obteve a volta do habeas corpus, vitória que está entre os
movimentos mais expressivos da abertura democrática. Possibilitou, pela
via judiciária, resguardar a vida e a liberdade de presos políticos
submetidos à tortura.
O habeas corpus, ao longo das últimas décadas, transformou-se em
instrumento indispensável ao exercício da defesa. Qualquer restrição que
a ele se imponha, indubitavelmente, haverá de gerar injustiças e fazer
campear a ilegalidade.
Não foi o seu uso que se banalizou, mas o que se tornou constante foi o
descumprimento dos direitos garantidos ao cidadão pela Constituição, no
que ela serve de modelo para o resto do mundo. Ademais, o grande número
de habeas corpus concedidos nas instâncias superiores encorajou os
advogados a esgotarem esse meio de salvaguardar os direitos de seus
constituintes.
Por tudo isso, a OAB São Paulo está empenhada em preservar o habeas
corpus como instrumento fundamental de cidadania, em respeito ao devido
processo legal, em obediência à lei e observância ao direito de defesa.
MARCOS DA COSTA, 48, advogado, é presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) São Paulo
(Artigo publicado no Jornal Folha de S. Paulo, de 15/03/2013);
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