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Jaguariúna, SP, Brazil
Advogado e contabilista em Jaguariúna, SP. Sócio convidado da ACRIMESP - Associação dos Advogados Criminalistas do Estado de São Paulo, desde 11 de agosto de 1997, título de cidadão jaguariunense pelo Decreto Legislativo 121/1997 e membro titular do CONPHAAJ - Conselho de Preservação do Patrimônio Histórico de Jaguariúna, nos biênios 2011 a 2012 e 2017 a 2018,

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Eu sou um advogado

Ricardo Giuliani Neto - 19/12/2011 - 10h19




Desculpem-me os otimistas, mas eu… sou mais otimista ainda! Eu sou um advogado.

Vivo numa profissão que se alimenta de direito.Tenho a certeza de que este direito não serve pra nada. Para multiplicar, mesmo com a certeza mais que absoluta de que a minha profissão é um tormento porque vive de um direito que não serve para nada mesmo, ainda tem gente que ajuda a piorá-la. E para elevar o meu otimismo à enézima potência, para trabalhar com o direito, precisamos conviver com juízes, promotores, serventuários, estagiários e, acreditem, temos o diário convívio dos advogados e dos clientes.

Tudo isso demonstra o tamanho do meu otimismo. Com isso tudo, ainda adoro minha profissão, amo os meus problemas e morro de saudades do omeprazol já nos primeiros cinco minutos de distância da minha casa.

Nós, os homens do direito, temos parceiros fiéis. O que seria das nossas vidas sem aquela azia estomacal regada a regurgitações emocionantes relembrando os sabores da janta da noite anterior? A azia querida e companheira talentosa nos momentos de leitura de “despachos” uniscientes? O que faríamos da vida sem aquela gravata obediente e bem deitada sobre nossas barrigas sedentárias das academias nunca visitadas? A gravata, produzida do mais fino polyester resin acoplada num gancho providencial feito clips de escritório para grudar no colarinho, empresta-nos posição, status e ainda, em momentos sérios, serve-nos de guardanapo diante do cheeseburguer almoçado lá pelas cinco da tarde. O que seria de nós homens jurístas sem a pastinha modelo 007, onde guardamos as contas pra pagar e os bilhetes onde nos batizam de ladrões nos momentos em que cobramos honorários polpudos, produto de uma decisão judicial nascida após curtos 10 anos de batalha que já nos chega com a cara de manga chupada? O que seria de todos nós se não tivessemos o cuidado para juntarmos aos bilhetes dos que nos chamam de ladrões, os cartões sinceros recebidos em tempos já imemoriais onde nos bajulavam de deuses da terra, milagrosos de plantão, e etc. Somos tudo isso, Deuses e ladrões, somos homens trabalhadores. Entendemos e desejamos, do fundo da alma, sermos entendidos.

Do Google e das bulas de remédio de tarja preta – leitura quase que exclusiva nos gabinetes e escritórios da atualidade – não vou falar. Caíria em choro compulsivo. Não posso relembrar dos “control-X/control-V, pois sucumbiria na tentação do suicídio; Imaginem descrever-lhes um cotidiano que bota biblicotecas inteiras nas latrinas incultas das modernidades que aniquilam o juízo crítico e embotam o pensamento? Imaginem tratar das grandes obras transformadas em peças de decoração? Imaginem um Pontes de Miranda combinando com o sofá da sala? Um luxo. Desculpem-me, morreria de alegria ao trilhar as rotinas dos novos ciberstempos.

Mas não adianta! Esqueçam! Eu sou um otimista e ninguém vai tirar isso de mim. Não será um julgamentozinho por email ou um plenário virtual! Sou advogado e sou obrigado a sobreviver por que gosto de respirar as vivências que não são minhas, mas que nas barras dos tribunais minhas as faço para arrancar justiça, berros, lágrimas, indignações ou juízos de qualquer valor. Sou daqueles que tem prazer em viver da pocilga humana. Sou dos que gosto mais dos homens do que dos cachorros, em que pese ter sete deles em casa e até agora nunca, nenhum, terem-me feito qualquer mal.

Sim, delicio-me do mundo da podre política; a respiro com a intensidade dos que não estão nem um pouco a fim de se entregar. Sou otimista e, como tal, disposto a resistir, mesmo que para isso, lutando a luta proposta, eu perca.

Sou daqueles que, na voz de Carnelutti, senta-se no último degrau da escada, abraçado ao seu cliente; sou dos que é humilhado pela voz pequena, e por ser assim, somos grandes e maiores do que o brado da pura das toga; fedemos a gente, ardemos paixões, comemos lixo, vomitamos sociedades e respiramos a justiça sonhada e nem sempre recebida.

Bem, é finaleira, o ano novo chegará e uma coisa é certa: não uso gravata de poyester resin, não tenho pastinha 007 e faz tempo que me divorciei da azia camarada. Uns dizem que faço tipo, outros, que sou romântico e, alguns mais, fingem que não existo, pois teimam em acreditar que o direito é um mundo todo  para si. Tá bem, é fim de ano, bebamos e brindemos. Afinal, logo ali tudo recomeça e entre uma de metido a besta e outra de metido a cult, vamos todos nós, ajudando a piorar o mundo, ou quem sabe, poderemos melhorá-lo de alguma forma?

Desculpem-me os otimistas, mas eu… sou mais otimista ainda! Eu sou um advogado.


Ricardo Giuliani Neto é advogado em Porto Alegre, mestre e doutor em direito e professor de Teoria Geral do Direito na Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Sócio proprietário do Variani, Giuliani e Advogados Associados e autor dos livros "O devido processo e o direito devido: Estado, processo e Constituição" (Editora Veraz), "Imaginário, Poder e Estado - Reflexões sobre o Sujeito, a Política e a Esfera Pública" e "Pedaços de Reflexão Pública – Andanças pelo torto do Direito e da Política" (ambos da Editora Verbo Jurídico)

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