Na quinta-feira da semana passada (12/05) ocorreu uma audiência pública na Câmara dos Deputados, convocada pela Comissão de Educação e Cultura para discutir a continuidade ou não da obrigatoriedade do Exame de Ordem, em termos de sua legalidade.
A mídia destacou que as discussões técnicas – exigidas pela seriedade do tema, o qual tem a ver com educação profissional e formação pessoal – ficaram do lado de fora do plenário da Câmara onde ocorreu tal audiência. Os poucos argumentos sólidos em torno da constitucionalidade ou não do exame cederam lugar a um palanque de campanha de segunda linha, com palavras e aplausos que levantavam, em regra, os mais variados ataques à obrigação de bacharéis em direito terem de ser aprovados pela OAB para conseguir a habilitação para advogar.
As frases lançadas por alguns daqueles que defendem a extinção da prova, qualificadas como “enfrentamento constitucional’ da questão, foram da ordem seguinte: “O Exame de Ordem destrói famílias” porque “não deixa (o bacharel) trabalhar” e, assim, eles (os bacharéis) “estão passando fome”.
Será que o Exame da OAB não deixa o bacharel trabalhar e faz com que famílias passem fome? Onde está escrito na constituição que a aquisição de um diploma de curso superior já garante por si mesma a subsistência de qualquer pessoa? Aliás, onde está inserida na vida e na realidade social, política, econômica e cultural do país tal possibilidade? Qual a garantia existencial que autoriza uma pessoa, em virtude de possuir um diploma, poder comer e sobreviver, só por possuir tal diploma?
Não existe! Todo cidadão precisa trabalhar para sustentar sua família. Toda pessoa precisa ganhar dinheiro para levar (adquirir, na verdade) alimentos a seu lar.
Que fique clara uma coisa: com exame ou sem exame de Ordem, o bacharel em Direito que se dedicar à advocacia vai precisar trabalhar, como autônomo ou como empregado, para poder comer, para poder subsistir, para poder viver. E isto é um problema da sociedade moderna de mercado não exclusivo da advocacia.
Assim, tal argumento usado para acabar com a prova da OAB é falso, falacioso, enganoso e desprovido de qualquer base de realidade. Ou seja, como argumento “jurídico” padece do pior defeito jamais esperado pela prática da advocacia e condenado pela ética profissional e forense: a má-fé. Logo, é um argumento que nenhum advogado, em nenhum momento, deveria utilizar, porque fere a deontologia da profissão – a qual, apesar de ser matéria de prova, havendo ou não exame, precisa necessariamente ser observada.
O argumento verdadeiramente jurídico, que não veio à luz na audiência da Câmara – cuja característica foi mais assemelhada a de um circo de que a de uma assembléia para se discutir temas democráticos – é que o exame é inconstitucional porque o sistema educacional autorizaria aos formados em curso superior que já pudessem exercer uma profissão.
A questão fundamental deita-se sobre a plataforma de uma filosofia da educação, ou ainda, de um paradigma de modelo educacional, a saber: a formação pessoal implica necessariamente num resultado final traduzido pela figura de alguém já apto ao trabalho? Em outras palavras, nosso modelo de formação visa a construção de pessoas que reúnam apenas características técnico-profissionais? Ou ainda, a formação visa como fim à produção de um trabalhador ótimo, vale dizer, alguém cuja capacidade adquirida seja aquela que interessa somente ao mercado de trabalho? Todos os cursos só devem servir para formar trabalhadores prontos ao mercado?
Para que serve a educação? Qual o conceito e finalidade da formação? Qual o fim da educação na área do Direito? Presta-se ela apenas para formar “advogados”?
São estas as questões que devem antes ser enfrentadas para se saber da constitucionalidade ou não do exame de Ordem.
Nosso modelo educacional está em crise já em suas bases. Não são os cursos somente que são ruins, é o próprio modelo educacional que está corroído. Formação tem a ver com a construção da vida de uma pessoa.
Ninguém em nenhum curso sai pronto como profissional. Na área do Direito ninguém sai advogado. Se houver dedicação, o máximo que alcançará, mesmo que o curso seja bom, é a possibilidade de compreensão do sistema socio-jurídico de seu país. Só isso.]
Advogar ou exercer qualquer atividade na área jurídica exige outra e mais profunda preparação, porque o operador do Direito (aquele que trabalha com as estruturas complexas dos mecanismos jurídicos) tem como “matéria-prima” o próprio ser humano. E essa formação não acaba nunca e acompanha o profissional por todo decorrer de sua existência.
João Ibaixe Jr. é advogado criminalista e escritor. Pós-graduado em Filosofia e Mestre em Direito. Foi delegado de Polícia e assessor jurídico da Febem, atual Fundação Casa. Coordena o Gedais (Grupo de Estudos em Direito, Análise, Informação e Sistemas), no programa de pós-graduação em Direito da PUC-SP. Também edita o blog "Por dentro da lei - um espaço para a construção da consciência de cidadania"