Quem sou eu

Minha foto
Jaguariúna, SP, Brazil
Advogado e contabilista em Jaguariúna, SP. Sócio convidado da ACRIMESP - Associação dos Advogados Criminalistas do Estado de São Paulo, desde 11 de agosto de 1997, título de cidadão jaguariunense pelo Decreto Legislativo 121/1997 e membro titular do CONPHAAJ - Conselho de Preservação do Patrimônio Histórico de Jaguariúna, nos biênios 2011 a 2012 e 2017 a 2018,

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Decisão histórica



Mais de uma vez, sustentei neste espaço que considero a atual composição do STF (Supremo Tribunal Federal) a mais bem-sucedida que já tivemos quando o assunto é garantia aos direitos fundamentais e respeito às liberdades públicas. Na semana passada, novamente, o STF fez história e fortaleceu essa avaliação: colocou ponto final a uma discussão que se arrastava há anos em nossa sociedade, ao declarar que casais do mesmo sexo podem sim constituir família.

E por que não poderiam? No âmbito jurídico, a argumentação contrária sustenta que o parágrafo terceiro do artigo 226 da nossa Constituição restringe a união civil estável a “homem e mulher”. Liberais, por sua vez, rebatiam com o “caput” do artigo 5º da Carta Magna, que garante a todo o ser humano a livre gestão do próprio corpo.


A dubiedade na interpretação legal, que antes do posicionamento histórico do STF ensejava interpretações diversas, na realidade, servia para fomentar um preconceito baseado na diferença das minorias, portanto, contrário aos princípios constitucionais que exigem tratamento isonômico. Nesse sentido, ao decidirem por unanimidade que casais homoafetivos e heteroafetivos têm os mesmos direitos, os ministros abriram os olhos da sociedade para uma realidade que já era nítida para muitos, mas igualmente sanaram essa injustiça.

A relação entre pessoas do mesmo sexo jamais foi legalmente proibida e seu exercício sempre contou com a proteção de um sistema de direitos fundamentais. Por que, então, tratá-la como diferente?
Houve reações à decisão. E as redes sociais foram os palcos escolhidos para os mais exaltados proclamarem seus discursos inflamados, baseados na defesa dos valores da família, na necessidade de um casal gerar filhos ou com argumentos outros de ordem religiosa, por conseguinte, alheia ao Estado Democrático de Direito, laico por definição.

De fato, a natureza humana é múltipla e complexa, especialmente quando se trata de “conjunções carnais”, nas palavras dos ministros do STF, ou de sexo, no linguajar cotidiano. Enquanto outros seres vivos só se aproximam durante o cio, nós seres humanos estamos ligados o tempo todo e aptos à atividade sexual nas mais diversas situações, sempre pautados em fantasias. Em um relacionamento, de fato, a nossa busca primeira é pelo prazer e é isso que nos aproxima de outro ser humano. A reprodução da espécie pode ser uma consequência deste processo ou não, bem como a participação do amor pode ser integrante ou apartada do ato sexual: essas decisões, em última análise, perfazem o conjunto de opções que cada ser humano faz.

Do ponto de vista dos avanços sociais e dos princípios constitucionais em jogo, garantir o espaço para a tomada dessas decisões é basilar. Em uma sociedade livre e civilizada, não podemos negar às pessoas o direito de conduzir suas vidas dentro de preceitos estritamente heteroafetivos, em suas crenças e valores subjetivos. Assim como também não podemos negar a elas o direito de escolherem os caminhos da homoafetividade. Essa é uma decisão que não gera prejuízo para um ou outro grupo, tratando-se de uma escolha individual, que deve ser respeitada pelos seus diferentes.

A decisão do STF constrange, isso sim, nosso Congresso Nacional, que patinou durante anos sobre o dilema de reconhecer ou não como família uniões estáveis homoafetivas. Não tivesse o Judiciário interferido, ainda estaríamos à deriva em uma questão que, há muito, integra a ordem do dia. Esse talvez seja o aspecto mais importante da decisão da mais alta Corte do país, no que se refere ao futuro: e as demais questões polêmicas, como legalização do aborto, descriminalização da maconha, regulamentação das atividades de mídia, punição aos autores dos crimes cometidos por agentes estatais no período militar, entre outras?

Nosso Poder Legislativo tem a oportunidade e a responsabilidade de tomar a dianteira nesses debates, por ser o fórum apropriado de confronto de ideias e aprovação de leis, por ser, enfim, representante do povo. O temor de assumir posições paralisa, o que tem ocorrido com o Congresso Nacional mais do que o desejado. Já vivenciamos isso quando decidimos sobre o uso de células tronco em pesquisas científicas e sobre a validade da lei da ficha limpa nas últimas eleições.

Finalmente, o recado que o STF transmite com decisões como as de reconhecimento do caráter cível das uniões homoafetivas é o de que não fugirá de seu papel constitucional de guardião da nossa Carta. É isso que esperamos.
Pedro Estevam Serrano é advogado, sócio do escritório Tojal, Teixeira Ferreira, Serrano e Renault advogados associados, mestre e doutor em direito do Estado pela PUC-SP, professor de direito constitucional, fundamentos de direito público e prática forense de direito do Estado da Faculdade de Direito da PUC-SP, bem como do curso de especialização em direito administrativo da pós-graduação (latu sensu) da mesma faculdade. É ex-procurador do Estado de São Paulo, ex-secretário de assuntos jurídicos da prefeitura municipal de São Bernardo do Campo. Autor de diversos artigos na área de direito constitucional e administrativo publicados em revistas especializadas, tendo proferido diversas palestras sobre temas inerentes à área. Autor da obra "O Desvio de Poder na Função Legislativa" (editora FTD) e "Região Metropolitana e seu regime constitucional" (editora Verbatim). Coautor da obra “Dez Anos de Constituição” (ditora IBDC).

Nenhum comentário: