João Ibaixe Jr. - 06/05/2011
Na próxima segunda-feira (9/4) o governo federal iniciará uma campanha para o desarmamento, tendo em vista a fatalidade do chamado “massacre de Realengo”, ocorrido numa escola do Rio de Janeiro.
A pergunta que se faz é se essa chamada campanha, que prevê até um plebiscito para se questionar a comercialização de armas de fogo, é algo válido e eficaz contra a criminalidade, principalmente aquela representada pelo exemplo de Realengo.
A resposta é um sonoro NÃO! Desarmamento é uma campanha destinada ao fracasso como o será o plebiscito!
E por que o governo vai realizá-lo? Porque quer mostrar serviço! Não tendo nenhum projeto, não dispondo de nenhum plano de ação, desconhecendo a realidade do problema, despreparado para enfrentar a criminalidade, a única possibilidade de não parecer um idiota em face desse soco no queixo que o deu a realidade, o governo vai tomar a usual medida de suposta ação, para esconder sua perplexidade e ineficácia: mudar a lei.
No caso presente, um procedimento anterior: consultar a população para saber se esta quer mudar a lei. Outra idiotice!
Primeiro, porque a consulta vai repetir outra feita em 2005, que versava sobre a proibição de venda de armas de fogo para o cidadão. Tal eleição, realizada na forma de referendo, que custou aos cofres públicos na época mais de R$ 250 milhões de reais, chegou à conclusão de que a maioria da população brasileira aceitava a venda de armas de fogo (60% dos votos válidos). Como consequência, o comércio legal continuou, nos moldes da lei (o chamado Estatuto do Desarmamento).
Com base no falacioso argumento de que a venda legal de armas de fogo aumenta os índices de criminalidade, o governo quer fazer acreditar que nova consulta teria resultado diferente e usa o instrumento da consulta popular para isto. Este nobre instituto constitucional, representado pelo plebiscito (consulta anterior à edição de uma lei) e referendo (consulta posterior à edição da norma) é fundamental numa democracia.
Em virtude disto, por sua importância democrática – apesar de não haver limitação de realizações –, tem de ser usado com elevada e profunda ponderação, com propriedade, com senso de eficácia e com respeito aos princípios constitucionais orientadores da administração pública. E não como gesto de mágica que faz aparecer algo para divertir o público. O momento é de reflexão e não de palhaçada!
Obviamente há o problema dos custos: hoje seriam da ordem de R$ 450 milhões! Podemos nos dar ao luxo de gastar tal valor para uma consulta que ocorreu há menos de seis anos atrás e que nada mudará em termos de combate à criminalidade?
Segundo, a crença de que o comércio legal de armas de fogo sustenta o ilegal é totalmente distante da realidade criminosa atual. Há um mercado negro de armas em relação ao qual o comércio legal para o cidadão faz apenas cócegas.
Vivemos numa sociedade de mercado, globalizada, altamente tecnológica. Será que é difícil perceber que a criminalidade se adaptou a ela? Ou somos só nós que adquirimos celulares e computadores de última geração? Somos só nós que atendemos aos apelos da comunicação de massa, do marketing e do branding? Somos só nós que usamos a web para nossas comunicações e contatos em redes sociais?
Quando se aprenderá que a criminalidade também está vivendo a geração da tecnologia globalizada, quando se compreenderá que ela também vivencia a chamada pós-modernidade?
E aqui entra outro ponto: a modificação da lei! Ah, solução milagrosa! Ah, salvação de todos os males! A lei é velha, de 2003, anciã, não presta mais, logo, deve ser descartada como qualquer produto tecnológico que passa de sua geração.
Será isso verdade? Os mecanismos normativos respondem à sociedade como os instrumentos tecnológicos? Poderíamos entrar numa longa discussão sobre Teoria do Direito, entre validade e eficácia da norma. Mas não é preciso.
Basta um raciocínio simples: a mudança da norma não resolve quando o fundamento de sua alteração está distante da realidade que deveria normatizar.
Quando a realidade traduz certas situações, não há como enfrentar ou dar respostas a estas situações mantendo um modelo de visão inadequado ao problema. Quando as ações estão distantes da realidade, vivemos na ilusão. Isto ocorre na vida cotidiana, creio que o leitor já experienciou essa problemática.
E por que a visão está errada? Porque quando se fala em mudança da lei, as bases de tais mudanças permanecem atreladas a um modelo penal de dois séculos atrás. A sociedade mudou, a criminalidade mudou, mas a forma de combater o crime pela lei é o mesmo. Claro que não vai funcionar!
A proposta mais comum de mudança da lei é “penas mais severas”. Basta perguntar: que significa pena mais severa? Muitos anos de cadeia? Acabar com a chamada progressão de regimes? Voltar-se exclusivamente à pena de prisão?
Aumentar a quantidade de pena é o argumento mais forte porque parece o mais eficaz, mas não funciona por diversos motivos (tema para outro texto).
O que funciona é a efetividade da aplicação da pena e uma lei que consiga fazer identificar o cidadão de bem do verdadeiro criminoso. Não adianta nada nem o primeiro nem o último responderem ao mesmo tempo de pena porque estão portando uma arma: a periculosidade do criminoso, por óbvio, é muito mais elevada.
Voltaremos a este tema, porque este artigo já ficou longo, claro que não o suficiente para discutir as burrices do despreparo de um governo sem propostas eficazes para combater a criminalidade.
João Ibaixe Jr. é advogado criminalista e escritor. Pós-graduado em Filosofia e Mestre em Direito. Foi delegado de Polícia e assessor jurídico da Febem, atual Fundação Casa. Coordena o Gedais (Grupo de Estudos em Direito, Análise, Informação e Sistemas), no programa de pós-graduação em Direito da PUC-SP. Também edita o blog "Por dentro da lei - um espaço para a construção da consciência de cidadania".
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