João Ibaixe Jr. (*)
Mais uma vez volta a ser feita a pergunta sobre a redução da maioridade
penal e ela é posta nos termos seguintes: você é contra ou a favor?
Segundo o Datafolha, 93% dos paulistanos são a favor da redução para 16
anos, alguns defendem até mesmo que se chegue aos 13 anos. Em resposta,
são ouvidos especialistas que dizem que reduzir a idade é
contraproducente. E o debate prossegue e prossegue, porém soluções não
aparecem.
O problema todo é que a questão é feita de forma incorreta. A pergunta
seria: você é a favor da forma como os adolescentes são punidos pelo
ECA? Ou em outros termos, a medida socioeducativa de internação por três
anos é eficiente para o combate da criminalidade juvenil?
Tenho certeza absoluta que a resposta seria um sonoro NÃO! Ninguém, mas
ninguém mesmo é favorável à punição apresentada pela lei. Nenhum
cidadão, seja vítima, seja especialista, seja defensor alegórico dos
direitos humanos, aceita a internação por três anos.
O cidadão, porque acha pouco, o especialista, porque sabe que não
funciona nem a internação nem o encarceramento do modo com existe hoje e
o alegórico dos direitos humanos, porque no mundo cor-de-rosa em que
ele vive a punição é coisa superada e ofende a dignidade ou outro
princípio qualquer referente ao conceito dele de ser humano.
Ninguém se entende e a criminalidade cresce e o jovem mata e mata
mesmo, enquanto todos ficam estupefatos. E o governo, no final, nem sabe
por onde começar, oferecendo seguidos e ineficazes projetos de lei.
Para ser enfrentado o problema tem de ser atacado diretamente e para
isso não adianta ficar perdendo tempo precioso com discussões
ineficazes. Falar sobre redução de maioridade penal é debate desprovido
de frutos.
Primeiro, há uma posição que considera a idade de 18 anos para
responsabilização penal como cláusula pétrea, ou seja, teria de se mudar
a constituição para ocorrer a redução. Do jeito que os projetos andam,
pela falta direta de interesse e pela delicadeza do tema, os
congressistas não vão querer mexer com isso e, até qualquer mudança, os
jovens criminosos já vão ter ficado velhos.
Segundo, há uma série de influências diversas, incluindo as de ordem
internacional, que tratam da política de jovens e que recomendam idade
de responsabilização penal aos dezoito anos, embora haja países
desenvolvidos em que o assunto é tratado de forma diferente. Nestes, a
questão tem aspectos históricos de uma tradição da qual o Brasil não
participa. Portanto, até se desenvolver a cultura de responsabilizar por
outro elemento que não a idade mais outros tantos anos irão se passar.
Terceiro, o sistema criminal penitenciário está falido. Não pune nem
ressocializa; não traz sensação de justiça, nem de compensação, nem de
vingança, nem de nada. Ele é administrado por facções criminosas e
colocar mais pessoas lá dentro ajudaria a fornecer mão de obra ao crime
organizado, que iria nos agradecer muitíssimo, pois este “operariado”
seria jovem e dotado de bastante força de trabalho.
Quarto, como a lei é deficiente e os juízes em sua maioria não têm
visão complexa da criminalidade, a punição mediante cadeia seria quase
inexistente ou muito curta e, em pouco espaço de tempo, o jovem já
estaria nas ruas de novo.
Diante do que se tem, ou seja, do ECA e de instituições aos moldes da
Fundação CASA, que não deixa de ser uma cadeia júnior, a alternativa
mais rápida e talvez eficiente seria alterar a forma de punição do
próprio citado ECA.
Para sermos práticos, há necessidade de um projeto de lei que aumente o
tempo de internação, levando ao ECA a noção de “progressão” do Direito
Penal. E a internação teria de ser cumprida integralmente na instituição
para menores, pois é muito difícil remeter o jovem para o sistema
carcerário, não apenas pela questão da sempre batida dignidade humana,
mas porque o controle seria muito complicado e logo deixaria de dar
certo.
Para aqueles que quiserem examinar e partir de plataforma concreta de
trabalho, tomo a liberdade de sugerir a leitura de proposta de projeto
de lei sobre o tema, projeto este que nasceu de um grupo de estudos, do
qual fui relator. Ele foi encaminhado ao Congresso e abraçado pelo
saudoso e então Deputado Clodovil Hernandes, que não era especialista no
assunto, mas possuía profunda consciência de cidadania. Com sua morte,
não foi para frente.
Fica a nossa contribuição para o leitor ter um ponto de partida sobre a discussão.
(*) João Ibaixe Jr. é advogado criminalista, escritor e
jornalista. Possui pós-graduação em Filosofia e mestrado em Direito. Foi
delegado de Polícia e assessor jurídico da Febem, atual Fundação Casa, e
coordenador de núcleo de pesquisa no Departamento de Pós-graduação em
Direito da PUC-SP. Organizador do “Plano de Legislação Criminal” de
Jean-PaulMarat e autor do livro “Diálogos Forenses”, é palestrante do
Departamentode Cultura da OAB-SP e editor dos blogs Por Dentro da Lei e Criminalista Prático.
É também membro efetivo do Núcleo de Aprimoramento Jurídico e
Integração Cultural da OAB-SP e presidente do Instituto Ibaixe, criado
para desenvolver estudos e eventos jurídicos, filosóficos e culturais.
FONTE: Última Instância.