LUIZ FLÁVIO GOMES, jurista e diretor-presidente do Instituto Avante Brasil.
Na América Latina, que conta com povos
extremamente vulgares, em razão das suas matrizes culturais
ibero-americanas (violência, fraude e uma peculiar maneira de exercer a
fé – veja Weffort), que falam muito em liberdade, mas que conhecem pouco
de ética, de emancipação moral e de responsabilidades, os estádios de
futebol estão se transformando em verdadeiros campos de guerra. Alguns
torcedores conseguem se superar em suas irresponsabilidades, como a de
ir armado para esses locais de espetáculo público.
A união da vulgaridade humana
(imbecilidade do animal não domesticado que nunca teve uma aula sequer
de ética e que pouco sabe, portanto, da fragilidade do corpo humano) com
a flacidez fiscalizatória nesses locais, que também significa outra
grande irresponsabilidade, vem gerando uma quantidade infinita de
“mortes antecipadas”, como a do garoto Kevin Spada (que merece nosso
respeito e sua família nossa solidariedade). Que os responsáveis por
essa trágica morte sejam devidamente processados e condenados, de acordo
com o devido processo. Que barbaridades como essas nunca fiquem
impunes.
Mas uma estupidez humana não se corrige
nunca com outra estupidez humana. Por iniciativa do Deputado Estadual
Fernando Capez, foi realizada no dia 03.04.13, na Assembleia Legislativa
de São Paulo, uma audiência pública para discutir a legalidade da
prisão cautelar dos 12 torcedores brasileiros que se encontram
recolhidos na cidade de Oruro, na Bolívia.
Participei dos debates e, dessa maneira,
tomei ciência de muitos mais detalhes dos acontecimentos. A prisão foi
decretada por 6 meses (o que já representa um absurdo, tendo em vista o
direito de toda pessoa de ser julgada em tempo razoável). Todas as
garantias internacionais (Convenção Americana de Direitos Humanos, art.
7º) estão sendo desrespeitadas, sobretudo a que determina a apresentação
do preso a um juiz, imediatamente, prontamente. De outro lado, ninguém
pode ser preso sem provas mínimas de autoria.
A televisão mostrou que o autor do
disparo mortal foi um menor (que já confessou o crime, aqui no Brasil).
Vários torcedores estavam ao seu lado (é verdade). Mas estar ao lado de
um criminoso inescrupuloso não significa, por si só, conivência ou
cumplicidade. Está mais do que evidente que a morte foi culposa e
sabe-se que não existe participação dolosa em crime culposo. Ressalvada a
hipótese de que a Justiça da Bolívia tenha mais provas e mais
informações do que as divulgadas, não há como deixar de concluir que
estamos diante de um ato de vingança. Um dos torcedores (chamado Tadeu),
pelo que disseram na Audiência Pública, não estava sequer dentro do
estádio (estava do lado de fora).
Na hora da prisão, os policiais pegaram
os doze mais fáceis. Nessa altura, o menor que confessou a autoria da
tragédia, já tinha desaparecido. Não há imputação concreta da
participação desses torcedores no crime (pelo menos nada foi divulgado
nesse sentido). A prisão se torna arbitrária, de acordo com os
parâmetros internacionais, quando não justificada devidamente (em ato
fundamentado de juiz).
As condições da prisão (pelo que
afirmaram que as viu) são mais trágicas do que o acontecido (se bem que,
nesse ponto, em nada se diferencia das condições prisionais
brasileiras). Quando a prisão se torna ilegal (como é o caso, por
exemplo, dos presos em Guantánamo), o preso se converte em prisioneiro
(suporta as mesmas desgraças do prisioneiro). Com uma diferença: é que
os prisioneiros (de guerra) contam com estatuto internacional de
proteção. Que não se aplica para o “prisioneiro” dos presídios comuns,
que seguem o Estado de Exceção ou de Polícia. O semáforo do poder
punitivo estatal é o juiz. Se ele dá sinal verde para os abusos, eles se
incrementam a cada dia. O poder punitivo é canalizados da vingança.
Todo juiz deve estar atento para isso.
Saí da Audiência Pública com a nítida
sensação de que estamos diante de uma grande injustiça. Mencionei na
minha intervenção a necessidade de se esgotaram os recursos internos (ou
provar a morosidade da Justiça) para se pedir a intervenção da Comissão
Interamericana de Direitos Humanos. Salientei que a punição do menor no
Brasil (legítima, de acordo com meu ponto de vista), de acordo com o
devido processo legal, poderia melhorar a situação dos injustiçados, que
se transformaram em “bodes expiatórios” da vingança popular. Se estamos
falando em vingança, claro que de Justiça não se trata.
O problema já não é mais jurídico, sim,
político. Impõe-se a intervenção de todas as autoridades brasileiras que
possam fazer alguma coisa para solucionar a questão (Presidência da
República, ex-presidente Lula, Poderes outros etc.). As ONGs
internacionais de defesa dos direitos humanos também são relevantes.
Para movimentar as autoridades brasileiras são necessárias várias
mobilizações sociais, evidenciando a injustiça do caso.
Para o futuro, não há como não se exigir
mais fiscalização do poder público (e da polícia) nos estádios de
futebol. São eles os responsáveis por evitar que torcedores imbecis
(animais não domesticados – como diria Nietzsche) ingressem nos estádios
armados (com fogos ou sinalizadores ou arma de fogo ou arma branca
etc.). É chegada a hora de todas essas vítimas com mortes antecipadas
terem a palavra (Zaffaroni). Necessitamos ser mais cautelosos nos nossos
atos. Não podemos mais admitir determinadas vulgaridades que colocam
desnecessariamente em risco a vida humana. Temos que lutar pela nossa
emancipação moral (ou seja: pela ética).
FONTE: Atualidades do Direito.
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