PAULO LUCON
O projeto do novo Código de Processo Civil está em seu trâmite final
na Câmara dos Deputados, sob a liderança segura do Deputado Paulo
Teixeira. Com boas novidades e a repetição de muitas das atuais regras, é
de se estimar que, proximamente, o novo diploma será aprovado no
Congresso Nacional.
A disciplina dos honorários advocatícios sofrerá modificações
relevantes. Algumas merecem aplausos, como a regra que atribui aos
honorários a natureza alimentar, com os mesmos privilégios dos créditos
oriundos da legislação do trabalho, e que veda a sua compensação em caso
de sucumbência parcial.
Muito preocupante, de outro lado, o direcionamento que vem sendo dado
ao tratamento dos honorários devidos nas ações em que a Fazenda Pública
for parte. Há um primeiro aspecto positivo. Será abandonado o critério
do diploma atual, que assegura honorários normais para a Fazenda quando
vence, e prevê critérios equitativos para quando a Fazenda for vencida,
para se prever um mesmo tratamento, em todas as ações em que a Fazenda
for parte, isto é, seja ela vencedora ou vendida.
Mas tal vantagem não esgota o tema, ao contrário! Talvez justamente
por isso, a Fazenda Pública federal vem pleiteando o estabelecimento de
regras de fixação de valores que não se revela minimamente compatível
com a natureza do trabalho desempenhado, nem guarda qualquer proporção
com a complexidade e o tempo que causas de vulto costumam tomar.
Litigar contra a Fazenda Pública significa, na imensa maioria das
vezes, que se terá um adversário economicamente poderoso, tecnicamente
muito qualificado (os concursos públicos difíceis e as características
das carreiras públicas atraem ótimos profissionais, de nível muitas
vezes superior ao da maioria dos bons escritórios do país), e um
comportamento típico de um devedor contumaz.
Ainda, um processo muito mais demorado, em vista das diversas
prerrogativas conferidas à Fazenda em sua atuação judicial (e não se
debaterá aqui quantas destas prerrogativas são verdadeiros privilégios,
insustentáveis no estágio atual da sociedade brasileira e segundo a
concepção de um Estado Democrático de Direito que pretenda fazer jus a
este nome). Quanto ao prazo de recebimento de dívidas contra o Estado, a
situação se torna dramática, em um triste conluio de leis que
determinam moratórias imorais e governantes que se aproveitam deste
estado de coisas para não satisfazer direitos há muito reconhecidos.
Em larga medida, considerando todo o peso que possui o Estado, a
medida justa seria fixar honorários em patamares mais elevados do que as
disputas entre os particulares.
Hoje, o cenário é completamente outro. A lei remete o juiz aos
parâmetros do artigo 20, § 4 do CPC e mesmo em causas de enorme
complexidade e vulto, em regra são fixados valores irrisórios, sob a
falsa premissa de uma suposta hipossuficiência da Fazenda Pública. O
fato é que, ao longo dos anos e fruto da involução da jurisprudência, os
valores efetivamente arbitrados em causas desta natureza sofreram
sucessivos decréscimos, a proporcionar remuneração absolutamente
incompatível com o esforço de trabalho, indignas aos profissionais que
nelas atuam.
No novo Código este panorama de aviltamento será oficializado. Passará
a existir faixas de honorários, em percentuais mínimos e máximos, que
se reduzem conforme o valor da condenação vai aumentando.
Se há, em teoria, uma preocupação em assegurar honorários entre 10% e
20% para a maior parte das causas – que possuem valores módicos – já com
relação às causas de maior valor, percentuais máximos limitarão as
verbas de sucumbência a 3% para qualquer causa com condenação superior a
cem mil salários mínimos, ou a 5% em causas acima de vinte mil salários
mínimos.
Tais critérios ignoram por completo a natureza liberal da profissão e o
fato de que muitos investimentos e custos são necessários, até o
longínquo dia em que tais condenações são satisfeitas. Sim, porque os
advogados dedicam anos às causas, antecipam recursos próprios, atuam em
serviço especializado, muitas vezes com elevado grau de complexidade. E
sempre, invariavelmente, com grande responsabilidade.
Responsabilidade que decorre da necessidade de desenvolver os
argumentos jurídicos, de constante atualização em relação à doutrina e
jurisprudência atuais, da superação de requisitos formais e entraves
burocráticos, do cumprimento rigoroso de prazos (com o acréscimo de
dificuldades derivadas da famigerada jurisprudência defensiva). Todos
elementos necessários em toda e qualquer causa judicial. No campo
puramente patrimonial, a responsabilidade do advogado é ilimitada e
pessoal. Vale dizer, responde por todos os atos que desempenhar no
processo.
Como é sabido, a atuação judicial abrange, não raro, décadas de
trabalho, nos quais estão comprometidos muitos profissionais, às vezes,
gerações de advogados. E isto especialmente em causas de grande vulto,
que também costumam receber, da Fazenda, tratamentos diferenciados e com
as melhores equipes dedicadas.
Advogados atuam mais e mais tempo, mas receberão menos do que
leiloeiros, corretores, ou qualquer outra profissão liberal, cujos
frutos são colhidos na proporção da qualidade e quantidade do trabalho
desempenhado. Para a Advocacia, vislumbra-se um período soturno, em que
os melhores deixarão de ser premiados, em que a proporção entre a
remuneração e o trabalho realizado desaparecerão por completo.
Paulo Henrique dos Santos Lucon é Vice-Presidente do
Iasp (Instituto dos Advogados de São Paulo), membro da Comissão da
Câmara que está elaborando o novo CPC e Professor Doutor da Faculdade de
Direito da Universidade de São Paulo.
FONTE: Ultima Instância.
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