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Advogado e contabilista em Jaguariúna, SP. Sócio convidado da ACRIMESP - Associação dos Advogados Criminalistas do Estado de São Paulo, desde 11 de agosto de 1997, título de cidadão jaguariunense pelo Decreto Legislativo 121/1997 e membro titular do CONPHAAJ - Conselho de Preservação do Patrimônio Histórico de Jaguariúna, nos biênios 2011 a 2012 e 2017 a 2018,

domingo, 12 de setembro de 2010

"Inimicus Curiae" da Lei da Ficha Limpa.

José Marcelo Vigliar - 10/09/2010

É a terceira semana que escrevo sobre alguns aspectos da denominada Lei da Ficha Limpa que suscitam debates.

Nas duas semanas anteriores, ative-me ao fato preocupante que envolve a consideração prematura (destituída da salvaguarda que o fenômeno da coisa julgada material institui) da condição de ímprobo do agente público que não teve sua condenação transitada em julgado mas que, apenas pela existência de condenação de órgão jurisdicional colegiado, se torna inelegível.

Ainda não tinha refletido sobre a aplicação do princípio constitucional da anterioridade em matéria eleitoral.

Considerando que a Lei da Ficha Limpa prevê como fundamento da inelegibilidade uma condenação não definitiva, rompendo com garantias constitucionais expressas, tomo também a liberdade de me antecipar. Passo a imaginar a existência de uma ação declaratória de inconstitucionalidade da Lei da Ficha Limpa. Mais: me apresento na esquisita figura de seu “inimicus curiae”.

Como determina a cautela de quem demanda (mesmo que imaginariamente junto aos tribunais superiores), faço breve pesquisa da jurisprudência do E. STF (Supremo Tribunal Federal), quando considera a garantia da anterioridade em matéria eleitoral.

Curiosamente, deparo com os fundamentos que foram empregados pelo próprio Ministro Ricardo Lewandowski, na Ação Direta de Inconstitucionalidade n 3.741-2 - DF, de que foi o Eminente Relator.

O eminente Ministro Ricardo Lewandowski, após apresentar os fundamentos que garantem a participação de ministros do STF que, por determinação constitucional, também integram o Colendo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) nas votações das ações diretas de inconstitucionalidade em matéria eleitoral (considerando que, na ocasião, em jogo também estava a Resolução 22.205 do TSE), e depois de citar alguns renomados autores que cuidaram da definição e importância do processo eleitoral como elemento da própria definição de democracia, assim se pronunciou o Ministro Relator:

“As alterações normativas introduzidas pelo diploma legislativo impugnado, pois, devem ser compreendidas à luz dessas reflexões, que traduzem o ideal de um processo eleitoral livre e democrático, assentado, ademais, sobre o postulado constitucional da moralidade, que necessariamente rege toda a atividade pública.”

Até aqui já deveríamos atentar para o fato que esse mesmo Estado Democrático de Direito determinou que apenas com o trânsito em julgado de sentença condenatória seja licito cogita da imoralidade administrativa do agente público, que está na base das condutas dos artigos 9º e 10 da Lei 8.429/92 e representa a própria essência do seu artigo 11. Contudo, essa tema já enfrentamos nas colunas de 27 de agosto e de 3 de setembro de 2010, publicadas aqui mesmo em Última Instância.

No momento, conforme mencionado acima, interessa-nos a anterioridade em matéria eleitoral. Sobre o tema, prossegue o Ministro Ricardo Lewandowski: “A partir dessas considerações, cumpre examinar com mais detença a questão de fundo ventilada nesta ação, qual seja, saber se as indigitadas modificações normativas constituem ou não ofensa ao princípio da anterioridade da lei eleitoral”.

Nesse particular, considerou o Ministro Ricardo Lewandowski a jurisprudência do STF, assim votando: “Essa Corte já teve a oportunidade de estabelecer o alcance do princípio da anterioridade, por ocasião do julgamento da ADI 3.345, relatada pelo Ministro Celso de Melo, assentando que‘a norma inscrita no artigo 16 da Carta Federal, consubstanciadora do princípio da anterioridade da lei eleitoral, foi enunciada pelo Constituinte com o declarado propósito de impedir a deformação do processo eleitoral mediante alterações casuisticamente nele introduzidas, aptas a romperem a igualdade de participação dos que nele atuem como protagonistas principais: as agremiações partidárias, de um lado, e os próprios candidatos de outro’”.

Prosseguiu, Sua Excelência, apresentando o desfecho do julgamento da mencionada ADI relatada pelo Eminente Ministro Celso de Melo: “a função inibitória desse postulado só se instaurará quando a lei editada pelo Congresso Nacional importar em alterações dos processo eleitoral”.

Finalmente, passou a enumerr os fundamentos que o STF entende essenciais como elementos capazes de ferir a anterioridade em matéria eleitoral: “1) o rompimento da igualdade de participação dos partidos políticos e dos respectivos candidatos no processo eleitoral; 2) a criação de deformação que afete a normalidade das eleições; 3) a introdução de fator de perturbação do pleito; ou 4) a promoção de alteração motivada por propósito casuístico”.

Numa palavra, como se colhe do voto do Ministro Ricardo Lewandowski, qualquer uma dessas condições isoladas - considerando que antes da última arrolada encontramos a partícula “ou”- seria suficiente para a necessária consideração do disposto no artigo 16 da Constituição Federal.

No caso da Lei da Ficha Limpa isso está claro.

Há flagrante e inequívoco rompimento da igualdade de participação dos candidatos. As situações são muitas. Muitos exemplos podem ser formulados. Assim como fiz nas referidas colunas anteriores, atenho-me apenas a duas hipótese que ora me ocorrem, para fomentar a reflexão e verificar como o item 1, acima mencionado, está presente e caracteriza fundamento suficiente para a declaração de inconstitucionalidade parcial da Lei da Ficha Limpa.

Analisemos: a) o já condenado não definitivamente por juiz singular pode participar do pleito de 2010 (a despeito da qualidade da prova, da profundidade da fundamentação da sentença de mérito etc., é cidadão elegível); b) contudo, o condenado por colegiado (também de forma não definitiva, considerando a pendência, v.g., de recurso extraordinário) torna-se, pela Lei da Ficha Limpa um risco para a sociedade, ainda que tenha sido, suponhamos, absolvido em primeiro grau!

Onde a igualdade de tratamento? Desde quando órgão jurisdicional colegiado exerce “mais” ou “melhor” jurisdição que órgão monocrático? Una e indivisível, a questão não é da jurisdição, mas da possibilidade de exercê-la no caso concreto (ou seja, de competência).

Há uma desigualdade na aceitação da condição de elegibilidade do candidato pelo fato de dois ou três magistrados terem julgado procedente os pedidos deduzidos em primeiro grau, devolvidos em recurso para o segundo grau, ainda que pendente um julgamento definitivo pelo cabimento de julgamento pelos tribunais de sobreposição que se destinam justamente para aplicar a Lei Federal de forma idêntica na Federação.

A anterioridade, reconhece o Ministro Ricardo Lewandowski , deve prevalecer no caso da Ficha Limpa, caso mantenha os mesmos profundos fundamentos que empregou na Adin que relatou e que acima foi parcialmente mencionada (valendo por tudo a sua integral leitura, mormente pelas citações que faz de Bobbio, Kelsen, Popper, Alf Ross, Luhmann e Habermas, tornando seu V. Acórdão uma peça de erudição ímpar).

Mesmo que em voto já prolatado no TSE tenha reconhecido a não aplicação dessa expressa garantia constitucional (anterioridade), deve, agora no STF, mantendo a jurisprudência da Corte Suprema que ele mesmo utiliza e a ela acresce elementos essenciais, reconhecer a sua inaplicabilidade para 2010, pois essa é a hipótese clara contida no V. Acórdão relatado pelo Eminente Min. Celso de Melo, largamente transcrito na Adin 3.741-2/DF.

Felizmente, como bem lembrado no voto dessa Adin 3.741-2/DF, mesmo que integrando o TSE na qualidade de seu presidente, poderá participar de eventual votação no STF, reformulando seu voto, na hipótese de manter os fundamentos que o Supremo vem considerando para a aplicação do princípio ora lembrado.

Aguardemos

FONTE: Última Instância.

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