João Ibaixe Júnior
Na grande maioria das vezes, quando se escreve sobre o tema dos presos, destacam-se situações em que seus respectivos direitos são violados. Claro, isto é um fato. O sistema prisional no Brasil está em crise. O universo carcerário brasileiro abriga cerca de 500 mil presidiários; São Paulo, mais de 240 mil.
Mesmo assim, ainda há pessoas que defendem que o número de presos no país é reduzido e aí comparam com os EUA, cujo sistema contém cerca de um milhão de detentos, como se as realidades dos dois países fosse igual. A analogia é dispar, mas impressiona o olhar inicialmente desatento.
Na mesma linha, sustentam o endurecimento da pena – o delito da moda agora, com a instalação da comissão para reforma do Código Penal, é a direção embriagada, contra o qual muitos apoiam aumento. Solucionar criminalidade para estes é fácil: pena de 100 anos. E tudo se resolve.
Do outro lado, aquelas figuras alegóricas de autointitulados grupos festivos de Direitos Humanos. Estes somente visitam cadeia quando a mídia está envolvida, quando há um caso de repercussão. Não são os verdadeiros defensores de direitos humanos, os quais lutam por bandeiras humildes, em alguns casos, mas fundamentais para todo o sistema, do tipo remição da pena pelo estudo, progressão de regime mediante análise criminológica adequada, ampliação do modelo alternativo de sanção penal etc.
Os alegóricos falam em construções de presídios nos parâmetros dos hotéis de Dubai, falam na situação degradante da superlotação, que ocorre nas cadeias, mas também num ônibus ou metrô na hora do rush.
Mas há outra perspectiva: a “terceira via” carcerária. O prisma dos presos. Não, não me refiro às facções criminosas, como o PCC – que existe, mas é negado pelas autoridades –, nascidas da combinação da inércia do poder público com necessidade do ser humano de lutar contra, e se adaptar a situações altamente estressantes, agressivas e humilhantes, tudo isso aliado ao tempero da sociedade de mercado globalizada.
Refiro-me à criatividade, este maravilhoso mecanismo unicamente humano de transformar a natureza, causa ou resultado da reflexão sobre questões que permite ao homem observar o mundo e alterá-lo, em grandes ou pequenas proporções.
No que tange ao sistema prisional, foi criado novo método para abertura de algemas. Novo, em termos. Sua divulgação é recente, mas não sei quanto ele é novo. Posso ser acusado de desatualização quanto à criação de sua tecnologia, mas a repercussão é recente.
Esse “know-how”, cuja finalidade prática é colaborar com a fuga, principalmente em situações de transporte, permite ao preso liberar-se das algemas, quase num ato mágico, com o uso simples de pequenino objeto de plástico.
Fragmentos de um isqueiro Bic permite ao preso liberar-se das algemas
Trata-se de um isqueiro do modelo “BIC”. Sim, caro leitor, um isqueiro desses vendidos em qualquer lugar, em diversas cores, normalmente usado para acender cigarros (realmente fumar faz mal à saúde do cidadão), mas também para acender o fogão e outros.
A técnica consiste em desmontar o isqueiro e aproveitar sua estrutura interna plástica, a qual contém um pequeno eixo do mesmo material cujo formato se encaixa perfeitamente no mecanismo de aço das algemas e permitem sua abertura (para os que desconhecem, a chave de algemas é do tipo universal).
E o melhor de tudo: por ser de plástico, torna ineficaz o detector de metais, usado em revistas para entrada e saída de presos, ou mesmo visitas. Pelo diminuto tamanho, pode ser escondido entre vestes ou na boca (há também outros locais).
A tecnologia é moderníssima, havendo preocupação com a sustentabilidade ambiental. O mecanismo é reutilizável e reciclável, logo, ecologicamente correto. Portanto, os humanistas alegóricos não precisam mais se preocupar com o desconforto do preso durante seu transporte, as algemas não serão mais problema. Todavia essa tecnologia é duro golpe nos combatentes da “Lei e Ordem”, pois não adianta mais meter o cidadão dentro da cadeia e jogar a chave fora.
João Ibaixe Jr. é advogado criminalista e escritor. Pós-graduado em Filosofia e Mestre em Direito. Foi delegado de Polícia e assessor jurídico da Febem, atual Fundação Casa. É presidente do CEADJUS (Centro de Estudos Avançados em Direito e Justiça)
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