Luiz Flávio Gomes e Mariana Cury Bunduky - 29/11/2011 - 11h45
Os assassinatos em massa dos negros (2/3 do total), sobretudo jovens, poderiam nos levar a concluir que a desigualdade, no Brasil, estaria vinculada (exclusivamente) à cor. Poderíamos falar em “cor da desigualdade” (Luis Eduardo Soares). O sociólogo Jessé Souza contesta essa afirmação (A invisibilidade da desigualdade brasileira), para concluir “que o buraco é mais embaixo”.
Seguindo os passos do citado sociólogo, observa-se que a origem da nossa profunda desigualdade reside, antes de tudo, na oposição alma/corpo: a alma seria a virtude e o corpo e seus “desejos insaciáveis” seriam o mal, o pecado (Platão, Santo Agostinho etc.). No mundo capitalista, o corpo que não conta com “conhecimento útil” (incorporado) é só corpo (braços e pernas). A separação (segregação, discriminação) tem por fundamento o conhecimento “in-corporado”. Ao corpo sem alma (sem conhecimento útil) são reservados os trabalhos mais primitivos, com remuneração insignificante. Quem não tem boa formação só é carne e músculos.
Mercado e Estado (no regime capitalista) valorizam a mente (o conhecimento). Ser cidadão ou pertencer à classe superior ou ser incluído etc., depende desse fator preponderante que é o conhecimento útil. Quem tem prestígio e influência social é quem tem conhecimento (saber é poder, diria Foucault). Classes com capital cultural mandam. Classes que são só corpo são as dominadas. Quem é só corpo no nosso país é discriminável, torturável, prisionável e mortável.
Essa teoria poderia explicar a quantidade exorbitante de negros assassinados, porém, não tanto pela cor, sim, pela falta de conhecimento útil (falta de educação, falta de capital cultural). Seja branco, indígena ou negro: quem não tem conhecimento útil incorporado e só se apresenta como corpo, tem maior risco de vida. Não é só explorado economicamente, como é discriminado (e, eventualmente, morto).
O Brasil é o país mais homicida do planeta em números absolutos desde 2009. Os assassinados, em sua maioria, ingressam na categoria dos mortáveis. O Brasil se destaca também (mundialmente) em outro indicador negativo, o da discriminação.
Os últimos números disponibilizados pelo Datasus sobre homicídios no Brasil, referentes ao ano de 2009, apontam a morte violenta de 51.434 pessoas, dentre as quais 33.533 ou 65,5% eram negras.
Essa constatação é fruto da união do número de pessoas de cor parda assassinadas, que foi de 29.658 (ou 57,7% do total), com o de pessoas de cor preta, que foi de 3.875 (ou 7,5% do total), chegando-se, então, ao número de 33.533 mortes (65,5% de total).
O cálculo deve ser realizado desta maneira já que desde 1991 são classificadas como negras pelo IBGE as pessoas pretas e pardas.
Dessa forma, o número de assassinatos de negros representou 2,25 vezes o número da morte violenta de brancos em 2009, que foi de 14.851 (ou 29% do total).
Os indígenas, cujas mortes registradas totalizaram 135 (0,26% do total) e os amarelos, que tiveram apenas 60 mortos em 2009 (0,12% do total) representaram uma ínfima parte das vítimas de homicídio naquele ano.
Assim, a raça/cor negra é a grande vítima de homicídios no Brasil e a discriminação em relação aos indivíduos negros perdura. Porém, não só por serem negros, sim, sobretudo, o maior risco correm os que não contam com “capital cultural”.
Evidencia-se, portanto, o cerne social e racial que existe por trás da violência no Brasil, cujas origens estão na desigualdade cultural, no preconceito, na discriminação e na falta de oportunidades (Veja:Desigualdade que gera delitos não é ocasional e Brasil constrói mais presídios do que escolas).
Sinal de que, para se combater a violência, não bastam apenas investimentos em Segurança Pública e punições, deve-se ir muito além. O buraco é mais embaixo!
Os jovens (indivíduos entre 15 e 29 anos) também constituíram a maioria dos assassinados em 2009, representando 54,1% do total. Eis mais um alerta de que maiores investimentos em educação e na ampliação de oportunidades, por meio de políticas públicas que atinjam todas as classes, etnias e raças/cores é o caminho que deve ser imediatamente percorrido rumo ao domínio dessa barbárie.
Luiz Flávio Gomes é jurista e cientista criminal. Fundador e presidente da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto de Pesquisa e Cultura Luiz Flávio Gomes. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001).
Mariana Cury Bunduky é advogada e Pesquisadora do Instituto de Pesquisa e Cultura Luiz Flávio Gomes
Mariana Cury Bunduky é advogada e Pesquisadora do Instituto de Pesquisa e Cultura Luiz Flávio Gomes
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