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Advogado e contabilista em Jaguariúna, SP. Sócio convidado da ACRIMESP - Associação dos Advogados Criminalistas do Estado de São Paulo, desde 11 de agosto de 1997, título de cidadão jaguariunense pelo Decreto Legislativo 121/1997 e membro titular do CONPHAAJ - Conselho de Preservação do Patrimônio Histórico de Jaguariúna, nos biênios 2011 a 2012 e 2017 a 2018,

sábado, 26 de novembro de 2011

Fernando Henrique, os “repressivos” e os “maconheiros”


João Ibaixe Jr. - 26/11/2011 - 12h18



Em entrevista ao Última Instância, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso criticou na última quarta-feira (23/11) o modo como foi conduzida a recente crise sobre a presença da Polícia Militar no campus da USP (Universidade de São Paulo) e recriminou a rotulação dos estudantes que ocuparam a reitoria da instituição como “maconheiros”. Classificou o modus operandi da polícia no caso como “repressivo”. “A repressão faz mais mal do que o uso da maconha”, afirmou o ex-presidente, que defende publicamente a descriminalização da droga.

Com todo respeito ao ex-presidente, seu distanciamento da USP, ocorrido desde o início da década de 1970, como ele mesmo reconhece, não o coloca na melhor perspectiva para analisar a ação da PM neste caso.


Não sou defensor da PM, apesar de ser instituição muitíssimo organizada, porque ainda lhe falta uma cultura interna de preparar melhor o policial para o trabalho urbano. Além do que, penso que a estrutura militarizada da PM não se adéqua mais às exigências da sociedade atual. A polícia deveria ser unificada por uma série de motivos, cujo espaço do texto não permite tratarem-se aqui.


Todavia, no caso da invasão da USP, a PM agiu exemplarmente. Com efeito, em primeiro lugar cumpriu ordem judicial. Depois, seguiu os padrões internacionais de operações urbanas. Este determina que o número de policiais em ações armadas contra criminosos violentos seja o triplo do número esperado de agressores. No caso de ações não armadas, que demandam o uso de energia, mas em que é proibido uso de armas letais ou não letais, o número de policiais precisa ser de cinco a seis vezes superior.

No caso da USP, eram estudantes, apesar de tudo, mas que se recusavam a deixar o prédio. Era necessário emprego de energia, mas felizmente não houve episódios de violência. É claro que obrigar pessoas que não querem fazer algo a fazê-lo é intrinsecamente “repressivo”, mas não no sentido que relaciona a expressão a regimes ditatoriais, mas naquele outro que vem expresso na própria doutrina processual penal: repressão como a energia necessária para manter a ordem judicial proferida.

Por outro lado, classificar alunos como maconheiros deve ser criticado. Eles não são maconheiros, não são criminosos, no sentido comum da palavra – por isto defendi policiamento especialmente treinado para trabalhar na USP em texto anterior. São estudantes que consomem maconha.

A distinção existe no direito penal. Quem o estuda seriamente não coloca agentes que praticam crimes no mesmo balaio de gatos. Isso o faz quem acha que direito criminal é igual a cadeia e “bandido bom é bandido morto”. Alguns mascaram essa postura com críticas ao direito penal mínimo, por exemplo.

Mas, voltemos aos estudantes que não são maconheiros. O problema é que existe uma visão romântica da década de 60 e 70 que enxerga a cannabis como uma droga liberadora da espiritualidade. Um estudo sobre o pensamento religioso humano mostra que o uso de substâncias entorpecentes está relacionado à busca de estágios de consciência elevados, que religam o humano ao divino. Na década de 60, com o início da sociedade pós-industrializada, com guerras localizadas no mundo, provocadas por fatores político-econômicos, a saída para alguns era esse retorno à espiritualidade, para o qual um dos símbolos exponenciais era a maconha.

Hoje, pergunta-se: num momento em que toda sociedade luta contra o tabaco e o cigarro, contra o álcool, seria lógico pensar-se em liberar a maconha? Poderia ela ser consumida em bares e restaurantes? Como ela seria comercializada?

Na fase atual, a maconha é também, como o cigarro, industrializada, preparada para produzir dependência logo nos primeiros estágios de uso. Ela é também mais um produto da sociedade de mercado.

O único jeito da maconha ser pura é se o consumidor a plantasse em algum espaço da própria residência. Isto seria possível?

Assim, falar em descriminalização da maconha em tempos modernos é algo que precisa ser bastante ponderado, colocando-se na mesa todos os aspectos da questão. Não é mais possível voltar ao passado romântico do consumo da cannabis. E este é o grande problema.

Realmente, presidente Fernando Henrique, o estudante que fuma maconha não é maconheiro. Ele é alguém que foi engolido pela sociedade de mercado, enquanto pensa que luta contra ela.


João Ibaixe Jr. é advogado criminalista e escritor. Pós-graduado em Filosofia e Mestre em Direito. Foi delegado de Polícia e assessor jurídico da Febem, atual Fundação Casa. É presidente do CEADJUS (Centro de Estudos Avançados em Direito e Justiça). 

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